sábado, 15 de dezembro de 2012

O Cão Muito Distante


Miguel RIO BRANCO
Dog Man Man Dog, 1979
(detalhe)
fotografia


Ao adentrar no Santander Cultural para ver a exposição Ponto Cego de fotografias e outros trabalhos de Miguel Rio Branco — realizada em Porto Alegre de 5 de setembro a 11 de novembro de 2012 —, eu me deparei um espaço negro. Em meio à escuridão que o lugar se tornou, as obras expostas pareciam gritar em uma explosão de cores, me chamavam de longe. Eu até tentava desviar o olhar, mas invariavelmente acabava diante de outra distante tentação cromática, de outra sereia cantando para me atrair.
Então, ao desistir de minha resistência, tomei coragem para me aproximar e confrontá-las. Entretanto, ao me aproximar, era como se o encanto se fosse, como se a canção ecoando ao longe fosse muito mais poderosa do que ela vinda direto de sua fonte. Só havia um murmúrio.
Os trabalhos pareciam me falar sobre cor e textura — principalmente textura —, sobre capturar formas, sobre a captura de elementos — objetos — em um espaço capturado, sobre acumulação de diferenças, sobre contraste, mas tudo isso era só formal. Certo, havia algumas questões sociais em alguns lugares, mas me pareciam tão longe, escondidas por tantos níveis de massas, granulações e relevos. Pareciam ser apenas uma desculpa para tratar das formas.
Caminhando pelo espaço, eu via imagens ásperas, que eu acreditava que deveriam me ferir, mas só esfolavam minha pele, não me machucavam por dentro. Houve um instante que o que mais me incomodava na exposição era minha indiferença a ela, a preocupação de ter me tornado insensível querendo que aquelas paredes desabassem e me esmagassem na esperança de que assim as obras me fizessem sentir algo. Então eu continuei caminhando naquele lugar que eu achava que deveria me passar alguma sensação mais elaborada e intensa, mas que neste dia só me explicava relações frias que poderiam ser convertidas em fórmulas ou tabelas.
Então eu vi lá na frente, brilhando entre o espaço negro, e corri em sua direção. Ao chegar, não, antes disso eu desacelerei e, diferente dos outros casos, não me veio a indiferença. Eu quis recuar e ir para longe, mas não fui. A obra era Dog Man – Man Dog, de 1979, e tratava-se de duas fotos, mas foi uma delas, e posicionada acima, que me atraiu e repeliu simultaneamente. Era a fotografia de um cão deitado em uma calçada, encolhido, totalmente contaminado com alguma forma de doença de pele. E os detalhes de texturas de Rio Branco só faziam sua moléstia parecer mais grave, e, ao mesmo tempo, faziam-na parecer uma extensão da sujeira no chão em que estava, nas feridas provocadas nas pedras do calçamento.
O cenário era tão frio, o concreto e as pedras como um deserto que combate o que é vivo, e o cão lá fraco e parecendo agonizante. Tão fraco que parecia não ter mais forças para agonizar. E tudo o que eu pensava era em como aquela imagem me enfraquecia.
Fez-me recordar um acontecido há cinco anos. Eu voltava para casa mais cedo do que deveria. Por algum motivo, desisti de assistir uma aula e fui embora. Quando caminhava para casa, vi lá na frente na rua um homem despejando o conteúdo de um carrinho de mão em um barranco. Terminado seu afazer, o homem veio em minha direção empurrando o carrinho e passou por mim indo à direção oposta. Quando passei pelo local onde o homem descarregara, tive a impressão de ouvir um barulho, mas depois de confrontar o silêncio, segui adiante. Então novamente ouvi o som que não entendia. Voltei, me aproximei da proteção na lateral da rua e olhei barranco abaixo. Lá no fundo, encima de uma pilha de lixo, estava em um grande saco um cachorro enfiado pela metade, com as pernas e cauda para fora, e um pequeno filhote que me chamava. Então pulei a cerca e desci ao outro nível. Lá embaixo eu percebi que o cachorro mais velho dentro do saco estava morto, e o filhote completamente coberto por uma doença de pele que o fazia mais parecer uma tartaruga do que um cão. Então o coloquei em cima do paredão que levava ao nível de aonde eu viera e torci para que não corresse para a rua enquanto eu escalava de volta. Lá em cima, eu não sabia o que fazer com o filhote, e ele passou a me seguir. Então andei devagar para que pudesse me acompanhar até em casa.
Então, com toda a atração e repulsa, com o conflito entre ir embora ou permanecer ali observando mais um pouco, eu percebi que esta foto conseguiu me ferir, me machucar por dentro, e não só esfolar a pele. Talvez ela tenha me servido como um punctum dentro da exposição. Não um ponto em uma foto, mas uma foto entre fotos, que acaba sendo de alguma maneira um ponto entre pontos, mas em uma escala diferente. Algo que eu possa definir, tocar, limitar e que, por alguns instantes me arrancou daquele tempo e me levou a algum outro já passado.
Depois de vê-la, depois de esperar alguns momentos diante da fotografia do cão, eu percebi que estava pronto para ir embora. Não precisava ver o resto da exposição. O que ela tinha para me falar, já tinha dito ali. Eu não queria voltar, não precisava voltar, para as esfoladas superficiais e frias, para os cortes na pele realizados para vê-la se abrir, mas que não causam dor. Eu só pensava no cão da fotografia ali caído precisando ser salvo, mas distante de mim. Tão longe em 1979, onde, não importasse o quanto eu corresse, não poderia chegar. Em quanto e era pequeno e escurecido naquele espaço negro a ponto de me tornar imperceptível.

 

 

Arroz, o cachorro juntado do barranco, aos três anos de idade.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Corcel, O Andarilho e O Punctum

Na terça-feira da semana passada, dia 4 de dezembro, eu fazia uma das minhas caminhadas rotineiras do Shopping Praia de Belas até o Instituto de Artes da UFRGS. Estava eu pensando em coisas que não deveria pensar, mas que minha mente tendenciosa à circularidade e autodestruição não me permite evitar, quando contemplei algo inesperado em meu caminho. Estava quase na esquina entre as ruas Praia de Belas e Borges, naquela praça em frente ao Colégio Pão dos Pobres.
No instante em que o vi, percebi que ele havia me percebido e olhava de volta com a mesma curiosidade com que eu o examinava. Era um lindo corcel branco, selado e preparado para entrar em ação. Não, não para ser cavalgado, pois obviamente era um coração selvagem daqueles que não podem ser domados, apenas conquistados pelo tempo em que merecê-lo. Era mais como se fosse um adereço púrpura o que estava sobre seu lombo, a mesma cor do penacho que ostentava sobre a fronte. Parecia estar pronto para um grande espetáculo, talvez ter a honra de encontrá-lo em meu caminho tenha sido este espetáculo, talvez minha cara pasma tenha sido um espetáculo para ele, mas isso eu apenas posso conjecturar.
O fato de ele estar vagando sozinho por paragens como aquela prova o quão indomável era sua essência. Certo que eu também vagava solitário e a esmo, mas a principal diferença, creio eu, eram nas naturezas de nossos seres. Não que isso faça de mim algo superior, talvez até mesmo o contrário, mas ouso agora afirmar que este cavalheiro sem cavaleiro era feito de mais refinada matéria plástica. Sim, e tinha apenas uns quinze centímetros de altura, mas não foi isso que o impediu de sair sozinho às ruas. Estava posicionado sobre uma daquelas grandes tampas de concreto que cobrem os dutos de escoamento de água das ruas, cercado por terra nua, daquelas frustradas por desejarem ser local de brotação da vida verde, mas impedidas pelas pisadas de transeuntes insensíveis às suas angústias. Ele olhava o movimento de veículos na rua, enquanto eu o observava e imaginava se estava a esperar alguém. Então me lembrei de um fato ocorrido comigo há muitos anos.
No final da década de 1980, certa vez eu andava pelas ruas do Centro de Porto Alegre na companhia de meus pais e, talvez, mais alguém. Não tenho certeza dos lugares por qual passamos, parece que minha memória só guardou o cenário mais imediatamente próximo de mim: apenas um lado da rua, um prédio cercado em construção ou reforma, uma calçada que tivera parte das pedras do calçamento removidas para a obra. Em determinado momento da jornada, percebi que o tesouro que sempre mantinha em minhas mãos — neste caso, na minha mão livre, pois a outra era usada por minha mãe para me conduzir — não estava mais lá. Eu entrei em desespero, por certo. Como poderia continuar deixando-o para trás? E se ele precisasse de mim? E se eu precisasse dele? Éramos uma equipe, ele era importante. Os meus acompanhantes cogitaram continuar, mas acabaram cedendo aos meus protestos. Então refizemos o caminho no sentido inverso observando-o atentamente em cada detalhe, mirando entre os pés dos demais transeuntes, mas constantemente eles me alertavam das altas probabilidades de insucesso de nossa demanda. Lembro de sentir uma dor, o medo de ter de, em um momento muito próximo, confrontar a triste verdade, a perda. Talvez tenha sido a minha primeira e uma das mais rápidas experiências diante dos Estágios Kübler-Ross. Mas finalmente eu o vi. Estava lá me esperando. Valente, certo de que eu voltaria para resgatá-lo. O que me envergonhou, porque, por um momento, eu considerei desistir. Mas o encontrei, o meu boneco do Lion-O do desenho Thundercats. Meu pai o guardou em seu bolso para nos garantirmos de que outro incidente como este não ocorreria em nossa jornada, e nunca mais o deixei para trás outra vez.

Então voltamos para o corcel e eu. Eu relembrei desse dia ao vê-lo, graças a ele. E eu soube que havia me dado o que  Roland Barthes chamou de punctum, e por isso eu o agradeci. Pensei em juntá-lo e levá-lo comigo, mas então percebi que ele não era meu. Já havia me presenteado, e seria injusto se eu o aprisionasse, se eu impedisse o próximo viajante de aprender algo com ele. Pensei ainda na criança que naquele momento protestava e convencia os pais a voltar pelo caminho na esperança de resgatá-lo. Então me despedi, e o deixei lá me esforçando ao máximo para não olhar para trás.
No dia seguinte, passei pelo local de ônibus, e ele não estava mais lá. Então me lembrei do romance Roveradom que  J. R. R. Tolkien escreveu para o seu filho Michael quando ele perdeu seu cachorrinho de brinquedo, em que narrava todas as aventuras tidas pelo cãozinho até ser novamente encontrado. Lembrei de Roveradom — um rover random — e preferi acreditar que o corcel branco havia voltado para casa.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

História da Arte, Megalomania e Eu

Esta é a história de um grupo de homens que tinham algo em comum: todos se achavam grandiosos a ponto de determinar quais acontecimentos irrisórios e irrelevantes deveriam ser legados às próximas gerações, obrigando seus descendentes a repetirem exageradamente seus aborrecidos relatos até cumprirem o fato de azucrinar toda e completamente a paciência de sua espécie.
Oh, você duvida que nove desses inocentes homens, movidos por justos motivos e honradas ambições possam determinar um destino tão funesto à colossal massa ignóbil que chamamos de humanidade? Então se sente, meu bom amigo, e prepare-se. Aconselho que acomode bem a cabeça, tire o monóculo e o guarde protegido no bolso de seu colete ou outro local no qual torne impossível a ele cair dentro da sua xícara de chá assim que se aborreça e caía no sono. Comecemos então tal história pelo modesto Abade Suger (c. 1081 1151).

Este santo homem, em pleno século XII, acreditou que merecíamos, você e eu e todos aqueles que vieram depois dele e ainda virão, saber detalhadamente de que maneira ele coordenou a reforma na Igreja de St. Denis. Através de longos e enfadonhos relatos de pedreiro, ele supera a cada parágrafo sua capacidade de se autovangloriar através de uma técnica tão refinada que consegue enganar — pelo menos a si próprio — de que está atribuindo a Deus, e não a si, os méritos da obra que ele faz questão de declarar que assumiu, ordenou, organizou e liderou de sua insignificância.
Você deve concordar comigo quando afirmo que apenas um homem santo e culto poderia redigir trechos tão sacros, mas, simultaneamente, tão empíricos e descritivos, fusionando tão adequadamente os dois mais insuportáveis estilos de escrita existentes em uma obra de uma precisão e requinte imperdoáveis polindo-os com o entusiasmo de uma prestação de contas ou declaração de pagamento de tributos como este fragmento:

Fizemos preparativos para fortalecê-los em toda a sua extensão, externamente nobres pelo ornamento por virtude desses e de similares [materiais preciosos], e ainda assim internamente não ignóbeis no que diz respeito à segurança, em virtude de uma alvenaria de pedras muito fortes; e no exterior –a fim de evitar que o local seja desfigurado pelo material das pedras expostas– adorná-los (ainda que não [de forma tão atraente] quanto seria apropriado) com painéis dourados de cobre fundido. Pois a generosidade de tão grandes Padres, experienciada por nós mesmos e por todos, demanda que nós, os mais miseráveis homens que sentimos, bem como precisamos de sua tutela, consideremos digno dela nosso esforço em cobrir as mais sagradas cinzas daqueles cujos veneráveis espíritos, radiantes como o sol, servindo a Deus Todo-Poderoso com o mais precioso material que possivelmente a nosso alcance: com ouro refinado e uma profusão de jacintos, esmeraldas e outras pedras preciosas.

Ainda mais santos são apenas aqueles que suportaram tal leitura sem citar o querido Suger devolvendo sua graciosa frase: “possa ele merecer a cólera de nosso Senhor Denis e ser perfurado pela espada do Espírito Santo.”

No século XV em meio à redescoberta da cultura clássica, Antoni Manetti (1423 1497) fez questão de nos legar seu testemunho do “renascimento cultural” expressando sua gentil e delicada bajulação a Fillipo Bruneleschi e o defendendo e justificando sua derrota para Ghiberti — no concurso pela importantíssima e única oportunidade de fabricar uma porta — equiparável apenas a um contemporâneo narrador futebolístico descrevendo uma partida na qual seu time predileto é vergonhosamente derrotado devido a uma bestial incompetência.
Manetti deixa claro sua erudição em relação à matéria de que trata em seu texto, como em trechos em que descreve as formas de conexão entre estruturas arquitetônicas: “[…] essas partes eram quadradas, poligonais ou perfeitamente redondas, circulares ou ovais, ou de algum outro formato.” Sábio como só ele e detentor da tradição clássica, pôde compreender que chutar todas as formas geométricas por ele conhecidas — que nem eram tantas quanto esperadas — e acrescentando “ou de algum outro formato” certamente abrangeria todas as possibilidades reduzindo as suas chances de cometer algum equívoco ou omissão a quase nulas.
Apenas há uma falha imperdoável nesse imparcial relato do menino Antonio: que ele tenha desconsiderado o importante papel e a arte única que apenas o bom senso de um homem comedido poderia produzir. Ao alegar isso, refiro-me ao seguinte trecho:“Mais tarde Paolo Uccello e outros pintores tentaram fazer a mesma coisa e imitar, vi mais de uma e não foram boas como aquela.” Ora Antonio, como pôde a você ser incapaz de perceber a perspicaz visão de um homem que pintava campos em cores azuis?

Pois nas entranhas do início do século XVI, Albrecht Dürer (1471 1528) nos empurra esôfago abaixo o mingau seboso e azedo feito por suas mãos na esperança de que o regurgitemos como nosso novo messias. Seu desespero em mostrar o quão elevado a cultura faz de um homem e o destaca da multidão, seu clamor para que o reconheçamos com distinção entre os seus pares de sua terra só ratifica ainda mais o quão selvagens são os homens do Norte. Como um guardião da arte e da cultura, o velho Alby se mostra como um enviado de Deus em sua santa cruzada para ensinar àqueles menos talentosos do que ele — ou seja, todos que possa encontrar — os melhores métodos que aprendeu e desenvolveu.
Tudo bem, Dürer, você é um bom menino, não precisa implorar tanto, eu concordo que você é esperto se prometer parar de se lamuriar. Sorte nossa a Providência estar tão disposta a nos conceder a graça que enviou às geladas terras alguém tão importante quanto Albrecht para nos ensinar e nos educar. Esforça-se tanto para demonstrar a suma relevância daqueles que deixam algum ensinamento sobre arte deixando isso como ensinamento sobre arte. Mas o que mais poderia se esperar de um homem que se representa como Jesus? O único evento de notável surpresa — ou “não evento” — é Dürer ter resistido ao impulso natural de deixar registros de como ele, na verdade, nascera na Itália, deixando tal documento como testamento antes de sozinho, pois assim solitário exige-se de um homem em sua condição especial, crucificar a ele próprio. Esse foi um homem que se preocupou em deixar um legado para as próximas gerações, independente da existência do mérito de este legado constituir em sua própria imagem.

Em 1593, Cesare Ripa (c. 1560 c. 1622) teve uma esplêndida idéia. Resolveu determinar, através de sua incomparável habilidade de tudo observar e catalogar, quais características deveriam ser usadas para representar cada alegoria ou conceito. Provavelmente, cansado de tentar entender o que diabos queriam dizer os pintores de sua época, resolveu criar ele os critérios para a representação, podendo assim compreender todas as obras através de um método muito mais simples do que aprender as formas de representação elaboradas por outros. Afinal, para que aprender quando se pode obrigar os demais a saberem apenas e somente aquilo que você já sabe?
Assim surgiu a visão simplista que conveniente favoreceu sua habilidade inata de classificar a tudo em apenas duas categorias: “elas se resumem ao fato de serem brancas ou negras, proporcionadas ou desproporcionadas, gordas ou magras, jovens ou velhas […]”. Dessa forma, ele determinou quais posições, formas de penteado, e frases de efeito deveriam ser cristalizadas como manifestação máxima de conceitos. Falo de conceitos ordinários e pouco desenvolvidos, claro. Não espera que conseguisse em relação a ideais mais complexos e elaborados, nem ele próprio esperava isso, uma vez que afirma preferir deixar de lado as representações relacionadas à escrita e à filosofia.
De qualquer forma, esse foi Cesare Ripa, o grande pai de tudo o que é kitsch e santo patrono e protetor da indústria cultural contemporânea. Se bem que talvez já tenha chegado a hora do advento de um novo Ripa, talvez assim alguém conseguisse fazer com que os artistas contemporâneos sigam uma padronização mínima de linguagem, e alguém além deles próprios e de suas mães — mentira, suas mães dizem que entendem, mas é só para agradar — possa alcançá-los e ancorá-los ao mundo de tudo aquilo que é inteligível e razoável.

Chega a hora de tratarmos daquele que foi responsável por desperdiçar várias gerações de jovens potencialmente aptos a tornarem-se úteis à sociedade transformando-os em um vergonhoso bando de chorões suicidas vestidos de preto. Sim, falo dele, falo de Johann Wolfgang von Goethe (1749 1832).
Impetuosos e tempestuosos, Goethe nos deixa um tratado baseado na mais pura essência do melodrama e da desorganização. Procura versar dos sentimentos ocultos nos objetos artísticos, nos homens que observam estes objetos e nos sentimentos dos sentimentos dos homens pelos objetos. J. W., você teve a temeridade de se valer de “ligação entre amigos para aperfeiçoamento progressivo” como palavra-chave! Capturado no redemoinho do próprio paradoxo, jacta a existência da subjetividade e da parcialidade do homem como o mais alto dos valores em um texto que é subjetivo e parcial. Alega objetivamente a existência múltiplas interpretações em um texto que pode ser considerado apenas mais um interpretação subjetiva, o que faria com que suas interpretações da arte perdessem o caráter objetivo se tornando só mais uma frágil possibilidade em meio o uma pilha de tantas outras.
Contenha suas lágrimas, J. W.! Ninguém aqui gosta de resmungões. Pare de tentar justificar seus surtos histéricos emocionais como se eles fossem releituras dos ideais clássicos. Está tão desesperado assim para se legitimar através da tradição?

Quem vem agora? Ah, sim, em 1815 escreveu Quatremère de Quincy (1755 1849) sua ode à dor de cotovelo. Brada ele contra a existência dos museus e das coleções de arte. Não percebeu que estava gritando sozinho pelo prazer de ouvir a própria voz. Sim, esvaziemos os museus e coloquemos o Sr. de Quincy lá, pois muito curioso e digno de estudos é um homem que prefere a arte espalhada entre árvores, enterrada sob toneladas de terra, sendo chamada de doce lar por alguma grata família de roedores. Tudo isso apenas porque não teve ele a oportunidade de montar sua própria coleção enquanto havia ainda obras disponíveis.
Lamentável, Sr. de Quincy, lamentável! Ainda mais quando justifica sua própria ignorância repreendendo aos cultos por seus estudos e erudição. “O público, para o qual precisa trabalhar, é o público que sente, e não aquele que raciocina.” Não se preocupe, meu bom senhor, lhe prometo uma edição do livro de nosso bom amigo Ripa. Assim está dispensado da fatigante e árdua tarefa do raciocínio elaborado e poderá “sentir” a sublime e intensa erupção da insanidade de um homem que esteja com os cabelos e a barba revoltos. Não perderei mais meu tempo explicando de maneira racional o porquê devo ignorá-lo, basta apenas dizer que assim eu sinto.

Lá vem ele que nos prestou o desfavor de fazer Turner acreditar que agradava a alguém sempre que derrubava seu estojo de tintas sobre um pedaço de tela. Johnny Ruskin (18191900) nos“revela” como a humanidade sempre seguiu fielmente um padrão inquebrável, até sua época, em que, convenientemente, o padrão foi mudado porque era isso o que melhor se adequava ao seu período.
Sério, Johnny Boy, não passou pela sua cabeça que sua época, sua gente e sua cultura simplesmente estavam insanas? Um artigo inteiro apenas para legitimar um retrato de um graveto. Se o espartano, o romano e o cavaleiro medieval de que falou adentrassem nos recintos da Old Water-Colour Society “em virtude de idéias que ali geralmente podem ser sugeridas a respeito do estado e sentido da moderna, quando comparada com a antiga, arte”, eles empregariam suas lâminas cortantes e perfurantes contra os integrantes da Society na certeza — tanto deles quanto nossa — de estarem fazendo um favor ao livrar este mundo daqueles que desperdiçam seu tempo pintando a celebração de casamento de dois filhos de nobres famílias de pedras caídas no meio de uma estrada deserta.
Espero que pelo menos as montanhas saibam apreciar em quão ricos detalhes são ilustradas, e que o lago possua uma boa quantia de moedas para gratificar aqueles artistas do qual é mecenas.

Gottfried Semper (1803 1879) sim era um homem de coragem. Não tinha medo nem vergonha de falar o que achava necessário. Não que o que achava necessário fosse realmente necessário, mas não será isso que lhe roubará o título de temerário paladino combatendo a insensatez com mais insensatez.
Primeiro ele começa sua vingança contra a sociedade industrial com um enfadonho monólogo que fundou o gênero conhecido hoje como romantismo melodramático espacial. Pretendendo não dar trégua ao seu oponente odiado — o leitor —, ele ainda, “com a intenção de revelar a lei interior que governa o mundo da forma artística”, nos sugere a leitura de um autor que muito admira o excelente trabalho: ele próprio.

Para evitar repetição nessas e em outras questões intimamente relacionadas, o autor remete os leitores à sua brochura Wissenchaft, Industrie und Kunst: Vorschläge zur Anregung nationalen Kunstgefühles [Ciência, Indústria e Arte: Propostas para o Estímulo da Sensibilidade Artística Nacional] (Brunswick: Vieweg, 1852).

Sabiamente, Semper nos explica — crianças distraídas mimadas que somos necessitando de orientação — como a França foi incrivelmente estúpida na hora de elaborar seu sistema de ensino, e como a Inglaterra e Alemanha foram mais estúpidas ainda por copiar este sistema. Afinal, quem daria crédito a um método elaborado por franceses?
Como se não houvesse citado tolos o suficiente e sobre o justo objetivo de desmascarar cada imbecil a vagar sobre nossa amada Terra, nos mostra como administradores de indústrias compõem um seleto grupo de “cada idiota” que “pensa que entende algo sobre arte”.
Foi ele, Gottfreid Semper, um verdadeiro herói ao nos chamar de idiotas e demonstrar como apenas ele e um seleto grupo de verdadeiros artistas entendem a real natureza da arte, nos revelando nossa própria ilusão megalomaníaca em nos considerarmos aptos para lucubrar questões relacionadas às artes!

E se junta a nós agora Heinrich Wölfflin (1864 1945) com seu modesto objetivo de criar um livro de receitas para a interpretação do humor dos artistas e das nações. Conceitos Fundamentais da História da Arte — que talvez devesse se chamar Identifique todos os estilos em cinco lições básicas — restringe toda a capacidade artística, nata ou adquirida com a prática, a um sistema de regras raciais, temporais ou regionais facilitando assim a todos aqueles que preferem compreender a arte como uma tabela na qual se demonstra dominar ao se enquadrar adequadamente cada autor ou estilo.
Wölfflin constrói uma tabuada com pretensões evolutivas tentando dar respeitabilidade à matéria de que trata concebendo-a por meio de valores supostamente científicos. Um livro que será certamente útil quando a humanidade e o fazer artístico forem substituídos por máquinas autônomas sem percepção emocional. Esses robôs-artistas do mundo que está por vir serão muitíssimo gratos ao homem que afirmou a Itália como sendo um local que se formou “livre de influências externas” e lhe concederão honras como sendo o seu mais notável programador.

Assim você pôde entender como a História da Arte chegou à sua atual condição tendo sido alicerçada sobre as mentes e sonhos de um imperdoável conjunto de homens megalomaníacos que escolheram de forma aleatória ou de má-fé nos legar fatos irrisórios com o intuito de legitimarem sua própria imagem e fazer de si próprios lendas.
Surgiu assim a História da Arte como “A História que Os Arrogantes Anseiam que Os Homens do Futuro Saibam”. Sorte sua, leitor, ter A Providência presenteado nosso mundo com o advento de um homem como eu para esclarecê-lo e resgatar a verdade.

Referências

DÜRER, Albrecht. Carta a Willibald Pirckheimer. 1506. In: HOLT, 1981, pp. 330-332.
______________ . Esboço para a Introdução do livro Sobre As Proporções Humanas. 1512-1513. In: HOLT, 1981, pp. 311-318.
GOETHE, Johann Wolfgang von. Propileus: Introdução. 1798. In: GOETHE, 2008, pp. 95-116.
MANETTI, Antonio. A Vida de Fillipo di Ser Brunellesco. Século XV. In: HOLT, 1981, pp. 167-179.
QUINCY, Quatremère de. Da destinação das artes e das obras de arte, consideradas em sua influência sobre o talento dos artistas e o gosto dos amadores. 1815. In: QUINCY, 1815, pp. 8-10; 19-58.
RIPA, Cesare. Iconologia: Introdução. 1593. In: LICHETENSTEIN, 2055, v. 8, pp. 23-33.
RUSKIN, John. Sobre A Novidade da Paisagem. 1845. In: KERN, 2010, pp. 152-161.
SEMPER, Gottfried. Estilo: Prolegomena. 1660. In: SEMPER, 2004, pp. 71-79.
SUGER. O Outro Pequeno Livro sobre A Consagração da Igreja de St. Denis. Século XII. In: HOLT, 1981, pp. 36-48.
WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte: Introdução. 1915. In: WÖLFFLIN, 2000, pp. 1-23.

domingo, 28 de outubro de 2012

O Expressionismo e A Guerra dos Espíritos


 
 
Não há dúvida, ou alternativa, no instante de selecionar o melhor dos movimentos modernos. Não só adequado quando se visto pela modernidade, mas quando se observado do século XIX, porque o Expressionismo tem uma alma moldada no XIX, forjada pelos mesmos ferreiros que antes, mesmo que não se lembrem, forjaram as espadas empunhadas pelos cavaleiros que reluziam em prata. Apesar do instinto da Modernidade em buscar a arte como nada mais do que arte, da arte como um Oruboros, como a Serpente de Midgard enroscada em si própria sustentando todo um mundo sozinha, o Expressionismo lutava como se combatia pelas regras antigas. Supondo que você acredite, como eu, que o espírito — e, assim, a cultura — do Ocidente se formou do confronto entre os ideais clássicos e os ideais animistas, da eterna batalha entre uma tentativa de recuperar a tradição helena mediterrânea contra a retomada da tradição medieval do Norte; que a sucessão Renascimento > Barroco > Neoclassicismo > Romantismo > Realismo > Simbolismo foi movida pela ânsia dos filhos em superarem seus pais invocando a sabedoria de seus avôs… Supondo que esta seja uma das formas de o nosso mundo pode ser visto, o Expressionismo foi o última geração a lutar nesta guerra.

E quem eram nossos inimigos? Pois sim que era o Impressionismo. Independente do que eles ou do que seus inimigos — outros que não nós — dissessem, eles estavam na batalha. Vê como eles negavam nossos símbolos, nossos sonhos encarnados em formas de anjos, nossos heróis que salvavam o mundo e nossos magos que faziam o inimaginável? Como ignoravam tudo aquilo que não podiam ver? Eles podiam fugir de algumas regras do que se acha “clássico”, regras de forma, mas não das regras de idéias. Os impressionistas acreditavam em capturar o mundo, na representação como uma apropriação e duplicação do que se é percebido, apenas discordavam na forma desta percepção. Em idéia, em espírito — apesar de não acreditarem nisto —, eram clássicos. Coube ao Expressionismo combatê-los, negar sua representatividade do que se é percebido apenas pelos sentidos. Mostrar o mundo como ele é através do que se sente dele, retomar o que é próprio e único de cada indivíduo, esclarecer que o mundo existe no que pensamos e sentimos dele, que o mundo existe em nós, quebrar as pretensões objetivas de entender a verdade. O simples fato de que apenas alguns entre muitos acreditam na objetividade já não prova que ela é um ponto de vista subjetivo?

 
 
O Expressionismo, como fez a encarnação anterior de sua idéia no espírito romântico, mesmo na Modernidade, se colocava não com uma ruptura total do passado. Uma ruptura sim, mas apenas a objetividade antes dela, mas fazendo isso com base em uma tradição, como uma continuidade de algo que veio antes e que deveria estender ao futuro. Negava a modernidade e buscava no passado o motivo para continuar. Em meio ao ferro e ao vapor, tentava lembrar os homens de que a arte que faziam e eles próprios eram de natureza e propósito espirituais, tentava lembrar que eles eram mais do que uma massa disforme sem identidade emplastrada em uma cidade cinza. Então nos davam as cores. Eram tão iguais na crença do subjetivo que eram tão diferentes, um grupo que estimulava o de específico em cada um a ponto de, muitas vezes, não se conseguir identificá-los como grupo. Mas só se você olhar com seus olhos clássicos objetivos, se olhar só as formas. Pois esses não são seus olhos, são só lentes. Retire-as e experimente outras, veja não a aparência, mas a idéia, o objetivo, a busca e o sonho. Está vendo como são todos diferentes e iguais? E iguais e diferentes? E que a igualdade e diferença não está neles, mas em você? Está na sua mente, e na minha.

À Modernidade, mas sem esquecer o passado, assim cavalgavam em cavalos brancos de honrados paladinos medievais, com os corpos tatuados com os símbolos das culturas tribais e seus ritos que se repetem desde que nossa espécie recebeu uma alma sensível e uma mente engenhosa, mas trajando novas e espalhafatosas armaduras azuis. Essas recentes couraças — que não eram feias, ou eram, porque a feiúra não está nelas, esta em quem as vê feias — habitadas por fantasmas antigos que não queriam abandonar este mundo, não antes de terem cumprido sua missão.
 
E depois deles? Depois, talvez, a guerra tenha acabado. O Espírito Clássico de corpo e intelecto inquestionáveis trajando sua toga e ostentando a Ordem como arma, O Espírito Anímico sombrio e intenso rodeado pela tempestade… Ambos caíram pelas mãos de algo mais intenso, faminto e jovem. Uma nova guerra? Talvez, mas se fosse, não tratava mais de luta por retomada, nada mais tinha a ver com a tradição. Uma guerra que os dois antigos não têm força mais para lutar. Uma disputa de arte como forma, de arte contra arte. Uma batalha de espíritos que se negam como espírito, de formas vazias e sem alma, uma batalha de golens.
 
E quem foi o Expressionismo, você pergunta? Foi o último herói a tombar em uma disputa esquecida, o último a ter alma. Por enquanto, ao menos. Ou você acredita que o jovem recém nascido, mesmo faminto, tem realmente Ímpeto e Ordem suficientes para conter pela eternidade os dois velhos inimigos? Tudo que eles precisam são de novos avatares…

domingo, 21 de outubro de 2012

O Sumiço do Mago


 
Recentemente eu me lembrei da música Putz, O Grande Mago e percebi o quanto ela é importante para mim. Quando eu era bem pequeno, com uns dois anos de idade, ganhei um LP da Turma do Balão Mágico, mas era muito jovem para entender do que se tratava. Então, quando eu estava com sete ou oito anos, redescobri aquele disco e ao ouvi-lo me deparei com, entre várias músicas infantis alegres, esta canção: 

Putz o grande mago
Anda por um triz
Fez sumir o seu amor
E não pode ser feliz 
  
Vive resmungando
Que tremendo trapalhão
Apagou a luz do amor
E ficou na escuridão 
  
Putz o grande mago
Anda por um triz
Fez sumir o seu amor
E não pode ser feliz
(2x) 
  
É inacreditável
Tudo aquilo que ele faz
Faz isso aquilo
E muito mais
Mas Putz não tem paz 
  
Vive reclamando
Não tem alegria não
Nem riso
Nem sorriso
Não
Nem um pingo de emoção 
  
Putz o grande mago
Anda por um triz
Fez sumir o seu amor
E não pode ser feliz
(2x) 
  
É extraordinário
Tudo aquilo que ele tem
Só que tem
Que ele não tem
Um alguém
Que lhe quer bem 
  
Vive perguntando
Martelando essa questão:
— Será que eu sou feliz
— Ou sou
— Um putz teimosão? 
  
Putz o grande mago
Anda por um triz
Fez sumir o seu amor
E não pode ser feliz 

Então eu voltava a agulha para que a música se repetisse e repetisse, e ficava imaginando o Putz em seu castelo, entre muitos artefatos únicos, conhecedor de maravilhas, mas sem ter com quem dividir ou ensinar. Lá sozinho sempre. E, na minha imaginação, Putz estava sozinho porque ninguém queria estar com ele. E, se ele havia ficado sozinho tanto tempo, isolado até ninguém mais lembrar que ele existiu. Exceto por aquela música que havia sobrevivido e ecoado para longe. Então, cada vez que eu a ouvia e pensava nele, que estava em algum lugar sozinho, cada vez que ela acabava e eu desejava que começasse outra vez, eu estava me lembrando dele e fazendo com que continuasse a existir. Como se eu fosse o único que se importasse, a âncora que prendesse ele ao mundo e o impedisse que dispersasse como uma nuvem de poeira.
Até que passei a acreditar que, se eu era a única pessoa que ouvia aquela música, se ninguém mais se importava, talvez ela só existisse para mim, talvez o Putz só existisse para mim, talvez eu fosse o Putz. Imaginava se aquela não era minha história. Passei a acreditar que um dia eu o encontraria, ficaria cara a cara com Putz, e, quando eu me tornasse ele, o próprio não precisaria mais existir, porque eu não precisaria mais me lembrar dele. Então me entregaria seu lugar. Seria eu naquele castelo, com aqueles tesouros únicos, com todos os livros, com todo o conhecimento e sem ter para quem transmitir. E achava que aquele era meu destino, o que comprova que nunca fui uma criança muito saudável. Seria eu quase desaparecendo, no limite da existência, torcendo para que alguém encontrasse aquela música e a cantasse e com ela se lembrasse de mim. E, enquanto essa pessoa a ouvisse, eu não desapareceria.
Foi quando percebi que o que existe só é em relação à memória. Que todas as coisas, inclusive eu, só iriam continuar existindo realmente enquanto pudessem ser lembradas, enquanto eu pudesse fazer alguém se lembrar de mim, enquanto merecesse que alguém lembrasse. Eu ficaria preso naquela sala no castelo, mas não desapareceria se pelo menos alguém lembrasse.
Agora eu acabo pensando no quanto essa música foi importante para a formação do meu gosto, pelo meu alinhamento com o Romantismo, pelo quanto eu adorava histórias japonesas, que na época não entendia direito o porquê, mas hoje tenho o conhecimento da estética da beleza na tristeza da arte japonesa. Até como escritor, eu sempre busquei fazer algo com o mesmo impacto. Algo que fosse igualmente simples e que passasse tanto efeito como o que essa música me causou.

Quando relembrei da música recentemente, quando lembrei o quanto ela é importante, me senti culpado por tela esquecido. Não esquecido totalmente, porque sempre estive sob os efeitos dela a vida inteira, mas havia esquecido que foi ela que os desencadeou. Então me senti culpado por deixar Putz se tornar uma nuvem e se dispersar. O engraçado é que, ao procurar recentemente na internet, não consegui localizar a música como arquivo de som ou imagem. Só encontrei a letra escrita. E não encontrei mais alguém que se lembrasse dela, que desse importância a ela ou que desse importância ao fato de não ser lembrada. Como se Putz ainda estivesse esquecido, como se eu ainda fosse o último a lembrar dele. Como se ainda fosse minha a responsabilidade de ajudá-lo a não se perder. Pelo menos até eu finalmente encontrá-lo e assumir seu lugar. Talvez o motivo deste texto seja justamente de fazê-los lembrar, de puxar Putz de volta para este mundo, de fazer com que mais alguém se lembre de Putz lá sentado sozinho, de que a história continue, e de que ele não desapareça. E porque, enquanto ele existir, enquanto ele ainda estiver lá sentado, não chegará minha vez de assumir seu posto. 
 
 
 
Meus agradecimentos à Cláudia Moura, que realizou a façanha de encontrar a música na internet:

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Enciclopédia de Heróis: MiniNinja

MiniNinja

 
 

Oculto nas geladas montanha do Tibete, está o Palácio de Xanadu, uma gigantesca biblioteca mitológica que abriga todo o conhecimento e sabedoria da humanidade, tudo em DVD e VHS com capas coloridas e organizadas em uma estante por ordem alfabética do nome de solteira da mãe do autor. Mas para chegar a esse santuário e à sua recompensa é necessário derrotar sua guardiã.
Com dois dias de vida, Siahng Buh-Kwan foi levada até Batman, e com ele aprendeu a arte de usar fantasias malucas. Ao completar um ano e meio, já havia derrotado Jet Li em um torneio de artes marciais em Beijin. Aos dois anos, havia encontrado o Santo Graal e bebido leitinho com achocolatado em pó nele. Aos dois anos e sete meses, havia se formado na academia de Chuck Norris e se tornado sua mais poderosa discípula. Com três anos, era a campeã olímpica de arremesso de peso.
Assim surgiu a maior guerreira da História. Depois de derrotar a exército de Adolf Hitler sozinha aos três anos e meio a abrir mão da glória dando o crédito da vitória aos países aliados, Buh-Kwan desvendou o mistério de vida e se tornou a protetora de Xanadu sob o título de a MiniNinja.
 
Inteligência: 7 – Onisciente. Como é muito difícil encontrar Xanadu, sua guardiã passa a maior parte do tempo lendo os arquivos da biblioteca mítica.
Habilidade de Combate: 7 – Foi treinada por Chuck Norris, não é preciso dizer mais nada.
 
Identidade secreta: Siahng Buh-Kwan

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Enciclopédia de Heróis: Dr. Vla-Vla


Dr. Vla-Vla

 
 
Após ter sido visitado em sonho pelo espírito de Ícaru, o Doutor Vlaudair Vladamir, ex-diretor do programa nuclear do governo das Ilhas Cook, recebeu a missão de se dirigir até a superfície do Sol e lá fundar a primeira colônia humana fora do planeta Terra. Essa colônia seria uma nação utópica onde todos seriam superseres após receberem os benefícios da saudável e segura radiação solar e onde não incidiria a cobrança da CPMF.
Para atingir seus objetivos, o Dr. Vla-Vla (como é conhecido por seus inimigos e aliados) capturou o lendário Morcego de Ouro, um morcego que supostamente seria a reencarnação do terceiro avatar de um robô enviado do futuro pelo Deus-Sol, que fora criado geneticamente por cientistas soviéticos que foram expostos à radiação cósmica de um telefone celular.
Valendo-se das asas da mitológica criatura, o Dr. Vla-Vla reuniu os mais valorosos heróis, e juntos rumaram em direção ao Sol.
Infelizmente, os heróis não lembraram de que se fazia necessário o uso de vestimentas apropriadas para explorar o espaço, e todos morreram por asfixia, frio ou explodindo pela falta de pressão do ar.
Disse Ícaru ao Dr. Vla-Vla em sonho que ele deveria fundar a colônia na primeira noite após sua chegada ao Sol. O Dr. Vla-Vla nunca mais foi visto, restando a foto que tirou antes de sua partida como único registro de suas aventuras. Como na superfície do sol sempre é dia, a lenda diz que o Dr. Vla-Vla gira na órbita solar até hoje, esperando o momento em que realizará aquilo que nasceu para fazer e poderá descansar no mundo além do conhecido pelo homem.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Enciclopédia de Heróis: O Comunão

O Comunão

 


Johann Vandermia Koffhans nasceu na Alemanha. Apesar do horrível Estado nazista que controlava o país durante sua infância, teve uma vida feliz graças ao grande amor proporcionado por seus pais.
Com o fim da Segunda Grande Guerra, uma esperança de paz inundou o coração de todo seu povo. Um dia, Johann foi visitar os avós. Teve uma tarde muito agradável com seus ascendentes. Quando tentou voltar para casa, foi surpreendido por uma terrível tropa que o impediu, pois havia sido iniciada a construção do Muro de Berlin.
Incapacitado de voltar ao lar, Johann teve de viver com os avós, mas, subitamente, os dois, já em idade avançada, faleceram. Johan teve uma vida difícil, tendo de crescer sozinho nas ruas.
Até que o regime soviético caiu. Johann foi um dos primeiros a aparecerem para ajudar na derrubada do muro. Ele estava cheio de alegria com a esperança de poder rever seus amigos e parentes perdidos ao tempo quase que de uma vida inteira.
Então aconteceu a tragédia. Durante a derrubada afoita, um enorme pedaço do muro caiu sobre Johnn e provocou sua morte.
Esse seria o fim de nossa história se não fosse por um estranho ocorrido. Os legistas do necrotério de Berlim se espantaram quando Johann se ergueu totalmente bem de uma maca pouco antes do que seria sua necropsia.
Mas Johann não estava como antes, estava muito mais saudável. Depois de ter seu corpo esmagado pelo símbolo da ditadura proletária, sempre que pronunciava a palavra “MLTSKGY”, Johann adquiria a sabedoria de Marx, o senso de oportunidade de Lenin, a inteligência de Trotsky, a imponência de Stalin, a parcimônia de Kruschev, e careca de Gorbachev, o alcoolismo de Yeltsen e a força de todo o povo. Assim, surgiu o herói da classe proletária, o invencível Comunão, o Herói Vermelho.
 
Inteligência: 3 – Letrado, mas teve uma educação embutida com ideologias.
Força: 6 – Possuidor da força de todo o povo proletário.
Velocidade: 1 – Vive em um regime conservador onde as mudanças sociais levam inúmeras gerações.
Durabilidade: 5 – Protegido pela “Cortina de Ferro”.
Projeção de Energia: 2 – Capaz de distribuir panfletos com manifestos partidários.
Habilidade de Combate: 3 – Discípulo de Zanguief (do Street Fighter).
 
Identidade secreta: Johann Vandermia Koffhans.
Outros nomes pelo qual é conhecido: O Herói Vermelho.
Base de operações: Kremlin.
Grupos filiado: PCB, PC do B e PSTU.
Primeira aparição: Batman versus A Múmia de Lenin (1989)

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Manifesto


— Ostentação, legitimar-se por aquilo que você tem ou pode, estas são as armas do inimigo. Se necessário, use aquilo que você sabe ou é. Entenda toda a tradição que veio antes de você e coloque-se como uma continuidade dela, seja um degrau para o que virá.
— Se você precisar mentir, significa que não tem coragem para admitir a verdade e aceitar as conseqüências.
— O narrador e o observador sempre distorcem os fatos. Não confie neles.
— Quando achar que se encontra em um dilema, saiba que ele não existe. Apenas faça o que é melhor para quem estiver à sua volta.
— Nunca quebre uma promessa. Nunca.
— Se existe algo imperativo, que precisa ser feito, faça. Se não puder, tente de novo até conseguir ou se destruir no processo. Mas nunca deixe que outra pessoa sofra danos quando realizar sua tarefa.
— Evite a violência, tente resolver seus problemas usando a mente. Mas se alguém não puder ser dissuadido e insistir em usar violência contra o mais fraco, significa que ele é seu inimigo. Não hesite e derrote-o. Não cultue Ares, mas invoque Athena quando necessário.
— Quando seu inimigo deixar de ameaçar os fracos, ele não é mais seu inimigo.
— Qualquer idiota pode apertar um gatilho. Se for necessária uma conduta inferior, tenha a dignidade de se anunciar antes e limite-se às espadas.
— Uma vitória fora das regras não é uma vitória. Apenas significa que admitiu que não poderia sustentar a disputa antes mesmo de tentar.
— Ao representar aquilo que ama, faça-o de forma grandiosa mostrando o quão tudo mais é irrisório diante da sua presença. Faça com que aqueles que contemplam sua representação também se sintam pequenos, assim, talvez, eles entendam como você se sente.
— Às vezes, a Natureza é poderosa e infinita demais para ser representada. Quando perceber-se diante de uma situação como essa, admita que não pode capturá-la em um papel e aproveite o momento com seus olhos e mente.
— Se um dia você achar algo que valha a pena, jure lealdade e a siga até o fim. Abandone a arrogância e não a deixe escapar.
— A forma sem conteúdo é uma casca vazia. Você não conseguirá sustentá-la diante de homens sábios.
— A forma deve seguir o conteúdo. Adéqüe-a e adapte-a ao seu discurso para atingir o máximo de seu potencial.
— Mire no ideal. Busque o que lhe parecer ser o auge. Se não alcançá-lo, terá, ao menos, ido o mais longe que a situação e o momento permitiram e inspirará os homens a fazerem seu melhor.
— O Bem e o Mal são pontos de vista, o mundo é cinza. Lembre-se que não existe verdade. Se existe, provavelmente você nunca a encontrará. Se encontrar, todos discordarão dela.
— Pense seriamente e seja sincero consigo, então encontrará o que lhe parece certo e verdadeiro. Siga esse ideal com honestidade e atingirá o máximo de seu potencial. Mas lembre que seu ideal é só uma construção subjetiva e provavelmente é falso.
— Nunca julgue pela aparência. Nunca desconsidere o que é pouco ou pequeno.
— Seja lógico e calculista nos momentos de tensão. Deixe para chorar quando estiver sozinho e não demonstre falta de fé diante daqueles a quem lidera.
— Use a arte para dizer o que acha que deve ser dito. Então crie uma forma ao redor dessa idéia.
— Se sua obra é curta demais para um discurso narrativo ou por outro motivo assim preferir, construa-a ao redor de uma sensação. Escolha um efeito, uma paixão que quer compartilhar, e conduza-a para que seu observador também a sinta.
— Ao partir, tenha certeza de não deixar conseqüências funestas para os que ficarem.
— Construa, deixe um exemplo, uma motivação. Se, de alguma forma, você ainda inspirar os homens após sua morte, significa que sua vida valeu a pena.
— O conflito ideal não se dá entre herói e vilão, e sim entre homens cujos objetivos ou deveres não podem ser realizados simultaneamente.
— A maior beleza é provocar a satisfação daquilo que ama. Em segundo lugar, vem a beleza da contemplação da representação da tristeza.
— Domine todas as técnicas, todas as ciências. Você não conseguirá, mas que seja devido à limitação de tempo de uma vida, e não pela falta de tentativa.

Rafael Machado Costa, 04 de agosto de 2012