O modelo de Estado democrático pós Segunda Guerra Mundial e
que é a referência para os Estados da Europa Ocidental é a hexapartição de
poderes. Para explicar melhor, eu usarei a imagem abaixo.
O triângulo representa o Estado e suas funções. Verticalmente
há a divisão uma área relacionada às funções mais políticas e intervencionistas,
e outra, às questões mais jurídicas e legais. Horizontalmente está divido em
três áreas.
Na base da pirâmide,
estão as funções de prestação de serviços, as funções estatais que estão
relacionadas a um contato direto com a população, que existem para ouvir e
responder às demandas dos cidadãos.
No centro, está a área de discussão ideológica, onde são
apresentados e debatidos argumentos pelos representantes dos diferentes grupos
sociais. Aqui é o lugar de ação dos partidos políticos e outras formas de
representações.
No topo está a área re controle institucional, as funções
estatais cujas funções são relacionadas à manutenção da harmonia entre os
poderes e da regulação dos excessos do próprio Estado.
No lado jurídico, na base, temos o Poder Judiciário. Sua
função é a de prestar serviço direto à sociedade respondendo às demandas da
população quanto ao não cumprimento das leis e normas do Estado. É a ele que os
cidadãos devem procurar caso acreditem que foram prejudicados pelo
descumprimento de alguma norma legal. A função do Poder Judiciário e fazer com
que as normas do Estado sejam executadas em cumpridas. O Poder judiciário deve
ser formado por especialistas, técnicos treinados para dominarem os
conhecimentos legais sem vinculações partidárias escolhidos a partir de suas
habilidades técnicas cuja função é executar as normas conforme foram aprovadas
pelo Poder Legislativo.
No segundo nível, há o Poder Legislativo. Formado por representantes
da sociedade eleitos, é o poder estatal ao qual cabe a função de laborar as
leis do Estado. Aqui cabe a filiação partidária dos seus membros, cuja função é
levar as questões da população que representam e discutirem a elaboração das
normas. Em alguns estados, o Poder Legislativo é dividido em duas casas: uma
Câmara Baixa — formada de representante das diferentes populações que habitam o
Estado — e uma Câmara Alta — formada de representantes dos territórios. A origem
desta forma de duas câmaras vem do modelo inglês de parlamento, formado
historicamente pela Câmara dos Comuns, formada por representantes eleitos pelos
moradores das vilas e cidades convocados pela primeira vez pelo rei Edward I
para auxiliar na condução do reino, e pela Câmara do Lords, formada pelos
nobres que tinham direitos sobre as terras e representavam os interesses de
suas Casas primeiro como conselheiros militares do rei, e depois como fiscais
de orçamento e legisladores do reino. Cabe ainda ao Poder Legislativo o
julgamento e cassação do mandato do Chefe de Estado caso este viole alguma de
suas funções ou deveres em ralação ao Estado. Esta função de julgamento do
chefe de Estado tem origem nas atribuições da Câmara dos Lords de fiscalizar as
atividades do rei.
No topo está o Tribunal Constitucional. Elaborado como poder
estatal por Hans Kelsen após a Segunda Guerra Mundial com a finalidade de
impedir que o Estado execute suas normas de maneira burocratizada e
automatizada sem avaliar moralmente suas atividades como ocorrido nos Estados
de modelo totalitaristas. Sua função é garantir o cumprimento dos princípios
previstos na Constituição e os direitos humanitários. Cabe ao Tribunal
Constitucional o controle do Poder Judiciário, avaliando e garantindo que suas
decisões sejam realizadas todas sem violar as normas constitucionais. Cabe
ainda a ele analisar as novas normas aprovadas pelo Poder Legislativo e
anulá-las caso violem princípios constitucionais ou direitos humanos.
Simplificando, a função do Tribunal Constitucional é garantir o cumprimento da
Constituição do Estado. Os membros do Tribunal Constitucional são constituídos
através de diferentes meios. Parte deles de membros do Poder Judiciário eleitos
internamente por seus pares, parte eleitos por professores universitários da
área jurídica também de maneira interna por seus pares, parte de maneira direta
pela população em geral e, em alguns casos, um membro indicado pelo Chefe de
Estado.
No segmento político do gráfico, temos, na base, o poder
Administrativo. Teorizado como poder autônomo por Max Weber, o Poder
Administrativo tem a função de executar as políticas públicas escolhidas pelo
Estado e realizar na prática as interferências e intervenções sociais
determinadas por estas políticas. Como o Judiciário, o Poder Administrativo
deve ser formado por técnicos, especialistas nas funções que executam e sem
vinculação partidária enquanto executam seus serviços, da maneira mais neutra
possível. O Poder Administrativo é aquele que está em contato mais direto com a
população para atender e responder às suas demandas.
Na área central está localizado a Chefia de Governo. Teorizado
por Benjamin Constant, que, diante do modelo de tripartição do Estado Liberal
criado pelos partidários da revolução francesa, previu que seriam necessárias
medidas para regular a sociedade. O modelo de Estado Liberal — dividido em três
poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo — vinha como resposta ao Estado
Absolutista em que o rei poderia interferir de maneira irrestrita na vida da população.
Tentando acabar com o mal do Estado superpoderoso que tinha influência em
excesso sobre os cidadãos, criaram um modelo dividido em três poderes em que
cada um dos poderes estatais tinha instrumentos para barrar e impedir o
funcionamento de um dos outros dois. Assim, acreditavam que o Estado riria se
auto-impedir de gerenciar a sociedade, deixando-a livre para se autorregular,
conforme a lógica a que se submetiam os ideais do Liberalismo e do Capitalismo.
Constant acreditava que, se o Estado Liberal fosse mantido em longo prazo, ele
aumentaria as desigualdades sociais. Então elaborou um quarto poder estatal, o
Governo. Segundo Constant, o Governo seria um braço do Estado cuja função era a
de interferir na sociedade a regulando e criando políticas públicas de
interferência, como em questões dos serviços públicos. Mas também previu que o
responsável por exercer a função estaria em constante conflito com alguns dos
membros da sociedade, porque suas atividades seriam a de decidir de que forma o
Estado deve interferir na sociedade e em qual dessas interferências investir
seus recursos limitados e em qual não investir, sendo impossível agradar a
todas as facções da população ao mesmo tempo. Tal função foi estruturada ao
redor da Chefia de Governo — em alguns Estados chamada de Primeiro Ministro,
Chanceler ou Premier. O Chefe de
Governo é um membro do Poder Legislativo eleito de maneira interna por seus
colegas para desempenhar tal função. Caso cometa ações que desagradem a maioria
da população, pode, a qualquer momento, ser eleito um novo Chefe de Governo que
esteja mais de acordo com os interesses daquela sociedade naquele momento.
No topo da pirâmide está o Chefe de Estado. O chefe de Estado
— dependendo do modelo estatal pode ser um Presidente ou Rei — tem entre suas
atribuições a de representar o Estado em territórios estrangeiros e fazer
acordos e pactos com outros Estados e organizações internacionais. Ainda exerce
uma função de mantenedor da ordem e estabilidade do Estado, como um tipo de
segurança psicológica, provocar a sensação na população de que tem alguém
mantendo a integridade e função correta do Estado. Cabe a ele ainda a função
de, caso o Chefe de Governo estiver se comportando de maneira irregular ou em
desagrado ao interesses da população, exigir do Poder Legislativo a eleição de
um novo Chefe de Governo, cabendo ao Legislativo escolher um novo ou reeleger o
mesmo, conforme acredite ser o melhor para a sociedade. Caso o Chefe de Estado
acredite que a Chefia de Governo, mesmo após sua intervenção, ainda foi
escolhida em desacordo aos interesses públicos, ou ainda havendo má conduta dos
membros do Poder Legislativo, pode invocar novas eleições, cabendo à população
eleger um novo Legislativo, ou reeleger os membros em atuação caso não
concordem com o Chefe de Estado. Sendo o Chefe de Estado um Presidente, ele é
eleito de maneira direta. Uma vez que sua função é a de representante de todo o
Estado, o Presidente não está obrigado a ser vinculado a algum partido
político, grupo ou associação.
O modelo de Estado vigente no Brasil é um tanto confuso. A
tripartição de poderes — Judiciário, Legislativo e Executivo —, conforme já
mencionado, foi criado como modelo de Estado Liberal com o propósito de um
Estado que não interviesse na sociedade. Atualmente, os EUA são o último Estado
a ainda se declararem um Estado Liberal e manterem em vigência o formato da
tripartição de poderes. Na tripartição dos poderes, há o Poder Executivo, que
exerce simultaneamente as funções de Chefia de Estado e de Poder Administrativo.
Na América Latina é bastante comum uma variação do modelo de
tripartição ode podres. Tendo origem nas repúblicas de natureza militar, esse
modelo admite a intervenção estatal na sociedade, mas não lhe dá autonomia,
criando uma espécie de Super Poder Executivo que, além de suas atribuições
naturais, ainda concentra em si as funções de Governo. Justamente este é o
modelo vigente no Brasil, o que nos acarreta uma série de problemas. Primeiro,
no aspecto jurídico, acontece de haver no Brasil uma corte responsável pela
guarda e cumprimento da Constituição — o Supremo Tribunal Federal —, mas aqui
ele é parte do Poder Judiciário. Assim acontece que o próprio Poder Judiciário
é responsável por fiscalizar as atividades do Poder Judiciário. Sendo que,
ainda, os membros do STF são todos nomeados por indicação do (Super) Poder
Executivo e os únicos cargos de magistrados do país que não há necessidade de
formação como jurista para exercer a função. Ainda, em relação ao Poder
Legislativo, pode haver uma limitação de suas atribuições, uma vez que, caso o
Poder Judiciário acabe aplicando concretamente uma lei criada pelo Poder
Legislativo e cabendo ao Próprio Judiciário analisar se executou tal norma
conforme foi estabelecida pelos representantes do Parlamento, pode ocorrer de
ignorar a vontade do Legislativo e estar além de qualquer fiscalização de sua
conduta.
Quanto ao Poder Executivo aberrante deste modelo, há uma
série de problemas. Primeiro que o Chefe de Estado tem entre suas atribuições a
realização viagens para outros Estado para promover acordos, entretanto o Chefe
de Governo deve permanecer dentro do Estado para aplicar as políticas públicas
e analisar suas eficiências. Cria-se assim o paradoxo de uma função que deve
estar fora e dentro do Estado simultaneamente para exercer diferentes tarefas. Ainda,
com a vinculação do Chefe de Governo — que deve ser partidário e ideológico — com
a função que deveria ser do Poder Administrativo — neutra e impessoal — há a
existência de outro paradoxo, ainda mais sendo que os cargos de chefia dentro
da administração não seu desempenhados por especialistas em suas áreas
escolhidos através de critérios técnicos, e sim por indicação do chefe do Poder
Executivo. Assim, a cada troca de Presidente, há uma troca de toda a chefia da
Administração Pública, que acaba sendo substituída não por especialistas, mas
por membros com vinculações partidárias com o Presidente.
Já na interação entre (Super) Poder Executivo e Poder Legislativo,
diferente no Modelo da Chefia de Governo independente, o Presidente não
necessariamente apoio da maioria dos membros do Legislativo e, por estar
vinculado com um partido político, não tem a neutralidade necessária à função
de Chefe de Estado e acaba levando para outros níveis as diferenças ideológicas
que deveriam ser discutidas na área central ilustrada pelo gráfico. Nesse
contexto, para conseguir apoio do Legislativo na aprovação de propostas, acaba
tendo de oferecer cargos na Administração Pública e no Governo em troca deste
apoio, o que coloca indivíduos não qualificados para exercer funções técnicas e
facilita a ocorrência de casos de corrupção. Ainda, sem a neutralidade, não
possui o poder de convocar novas eleições para representantes do Poder
Legislativo em caso de má conduta destes. Tão pouco pode destituir o Chefe de
Governo, pois este se confunde com ele próprio. Caso o Chefe de Governo — que é
o Presidente — desagrade os interesses da sociedade ou exerça uma má conduta,
não pode ser facilmente destituído e substituído por um novo. Faz-se necessário todo um processo de Impeachment, que ataca não só o Chefia de Governo, mas a Chefia de
Estado, a função de representação e manutenção da estabilidade do país.
Os teóricos — a exceção dos vinculados às correntes liberais — concordam
que não existe democracia verdadeira na tripartição de poderes, pois o modelo
de Estado Liberal é uma democracia formal — que se determina como sendo uma
democracia e garante teoricamente os direitos democráticos —, mas não uma
democracia funcional, pois não contém os dispositivos necessários para que os
direitos democráticos sejam alcançados de maneira igualitária pelos diferentes
grupos sociais nem — no caso da tripartição de poderes que cumula o Poder
Executivo com o Governo — para prestar de maneira adequada os serviços públicos
e fiscalizar a conduta daqueles que ocupam as funções estatais.
O projeto original da Constituição Brasileira de 1988 previa
a existência de apenas uma câmara no Poder Legislativo — a Câmara dos
Deputados, inspiradas nas câmaras de representantes eleitos dos Estados
europeus — extinguindo o Senado — modelo de câmara baseado na representação
regional através daqueles que controlam as terras —, mas os integrantes do
Regime Militar, alegando o “temor de que o Estado brasileiro de tornasse um
soviete” assumiram uma postura de que desistiriam da abertura política se o
Senado não fosse incluído na Constituição. O projeto também previa uma
tetrapartição dos poderes estatais, incluindo a existência de uma Chefia de
Governo autônoma representada na figura do Primeiro Ministro, mas ela foi
alterada sob influência do então Presidente José Sarnney, que alegou como
fundamento teórico para a manutenção do modelo de tripartição com o Poder
Executivo cumulado ao Governo de origem militar: “Quero ser presidente do
Brasil, não rainha da Inglaterra!”. Sendo que as alterações nunca foram
completamente ajustadas. um exemplo a existência do instrumento da Media
Provisória, que permite ao Presidente legislar, uma aberração estatal de
interferência do Poder Executivo nas atribuições do Legislativo. No projeto
original, a Medida Provisória era um instrumento do Primeiro Ministro, que é
originalmente membro do Poder Legislativo e que, caso abusasse do uso da Medida
Provisória, poderia ser facilmente destituído do seu cargo, e a um novo Chefe
de Governo caberia decidir manter ou revogar tal medida.