quinta-feira, 27 de junho de 2013

O Modelo de Estado Democrático e O Brasil


O modelo de Estado democrático pós Segunda Guerra Mundial e que é a referência para os Estados da Europa Ocidental é a hexapartição de poderes. Para explicar melhor, eu usarei a imagem abaixo.
O triângulo representa o Estado e suas funções. Verticalmente há a divisão uma área relacionada às funções mais políticas e intervencionistas, e outra, às questões mais jurídicas e legais. Horizontalmente está divido em três áreas.
Na base da pirâmide,  estão as funções de prestação de serviços, as funções estatais que estão relacionadas a um contato direto com a população, que existem para ouvir e responder às demandas dos cidadãos.
No centro, está a área de discussão ideológica, onde são apresentados e debatidos argumentos pelos representantes dos diferentes grupos sociais. Aqui é o lugar de ação dos partidos políticos e outras formas de representações.
No topo está a área re controle institucional, as funções estatais cujas funções são relacionadas à manutenção da harmonia entre os poderes e da regulação dos excessos do próprio Estado.
No lado jurídico, na base, temos o Poder Judiciário. Sua função é a de prestar serviço direto à sociedade respondendo às demandas da população quanto ao não cumprimento das leis e normas do Estado. É a ele que os cidadãos devem procurar caso acreditem que foram prejudicados pelo descumprimento de alguma norma legal. A função do Poder Judiciário e fazer com que as normas do Estado sejam executadas em cumpridas. O Poder judiciário deve ser formado por especialistas, técnicos treinados para dominarem os conhecimentos legais sem vinculações partidárias escolhidos a partir de suas habilidades técnicas cuja função é executar as normas conforme foram aprovadas pelo Poder Legislativo.
No segundo nível, há o Poder Legislativo. Formado por representantes da sociedade eleitos, é o poder estatal ao qual cabe a função de laborar as leis do Estado. Aqui cabe a filiação partidária dos seus membros, cuja função é levar as questões da população que representam e discutirem a elaboração das normas. Em alguns estados, o Poder Legislativo é dividido em duas casas: uma Câmara Baixa — formada de representante das diferentes populações que habitam o Estado — e uma Câmara Alta — formada de representantes dos territórios. A origem desta forma de duas câmaras vem do modelo inglês de parlamento, formado historicamente pela Câmara dos Comuns, formada por representantes eleitos pelos moradores das vilas e cidades convocados pela primeira vez pelo rei Edward I para auxiliar na condução do reino, e pela Câmara do Lords, formada pelos nobres que tinham direitos sobre as terras e representavam os interesses de suas Casas primeiro como conselheiros militares do rei, e depois como fiscais de orçamento e legisladores do reino. Cabe ainda ao Poder Legislativo o julgamento e cassação do mandato do Chefe de Estado caso este viole alguma de suas funções ou deveres em ralação ao Estado. Esta função de julgamento do chefe de Estado tem origem nas atribuições da Câmara dos Lords de fiscalizar as atividades do rei.
No topo está o Tribunal Constitucional. Elaborado como poder estatal por Hans Kelsen após a Segunda Guerra Mundial com a finalidade de impedir que o Estado execute suas normas de maneira burocratizada e automatizada sem avaliar moralmente suas atividades como ocorrido nos Estados de modelo totalitaristas. Sua função é garantir o cumprimento dos princípios previstos na Constituição e os direitos humanitários. Cabe ao Tribunal Constitucional o controle do Poder Judiciário, avaliando e garantindo que suas decisões sejam realizadas todas sem violar as normas constitucionais. Cabe ainda a ele analisar as novas normas aprovadas pelo Poder Legislativo e anulá-las caso violem princípios constitucionais ou direitos humanos. Simplificando, a função do Tribunal Constitucional é garantir o cumprimento da Constituição do Estado. Os membros do Tribunal Constitucional são constituídos através de diferentes meios. Parte deles de membros do Poder Judiciário eleitos internamente por seus pares, parte eleitos por professores universitários da área jurídica também de maneira interna por seus pares, parte de maneira direta pela população em geral e, em alguns casos, um membro indicado pelo Chefe de Estado.

No segmento político do gráfico, temos, na base, o poder Administrativo. Teorizado como poder autônomo por Max Weber, o Poder Administrativo tem a função de executar as políticas públicas escolhidas pelo Estado e realizar na prática as interferências e intervenções sociais determinadas por estas políticas. Como o Judiciário, o Poder Administrativo deve ser formado por técnicos, especialistas nas funções que executam e sem vinculação partidária enquanto executam seus serviços, da maneira mais neutra possível. O Poder Administrativo é aquele que está em contato mais direto com a população para atender e responder às suas demandas.
Na área central está localizado a Chefia de Governo. Teorizado por Benjamin Constant, que, diante do modelo de tripartição do Estado Liberal criado pelos partidários da revolução francesa, previu que seriam necessárias medidas para regular a sociedade. O modelo de Estado Liberal — dividido em três poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo — vinha como resposta ao Estado Absolutista em que o rei poderia interferir de maneira irrestrita na vida da população. Tentando acabar com o mal do Estado superpoderoso que tinha influência em excesso sobre os cidadãos, criaram um modelo dividido em três poderes em que cada um dos poderes estatais tinha instrumentos para barrar e impedir o funcionamento de um dos outros dois. Assim, acreditavam que o Estado riria se auto-impedir de gerenciar a sociedade, deixando-a livre para se autorregular, conforme a lógica a que se submetiam os ideais do Liberalismo e do Capitalismo. Constant acreditava que, se o Estado Liberal fosse mantido em longo prazo, ele aumentaria as desigualdades sociais. Então elaborou um quarto poder estatal, o Governo. Segundo Constant, o Governo seria um braço do Estado cuja função era a de interferir na sociedade a regulando e criando políticas públicas de interferência, como em questões dos serviços públicos. Mas também previu que o responsável por exercer a função estaria em constante conflito com alguns dos membros da sociedade, porque suas atividades seriam a de decidir de que forma o Estado deve interferir na sociedade e em qual dessas interferências investir seus recursos limitados e em qual não investir, sendo impossível agradar a todas as facções da população ao mesmo tempo. Tal função foi estruturada ao redor da Chefia de Governo — em alguns Estados chamada de Primeiro Ministro, Chanceler ou Premier. O Chefe de Governo é um membro do Poder Legislativo eleito de maneira interna por seus colegas para desempenhar tal função. Caso cometa ações que desagradem a maioria da população, pode, a qualquer momento, ser eleito um novo Chefe de Governo que esteja mais de acordo com os interesses daquela sociedade naquele momento.
No topo da pirâmide está o Chefe de Estado. O chefe de Estado — dependendo do modelo estatal pode ser um Presidente ou Rei — tem entre suas atribuições a de representar o Estado em territórios estrangeiros e fazer acordos e pactos com outros Estados e organizações internacionais. Ainda exerce uma função de mantenedor da ordem e estabilidade do Estado, como um tipo de segurança psicológica, provocar a sensação na população de que tem alguém mantendo a integridade e função correta do Estado. Cabe a ele ainda a função de, caso o Chefe de Governo estiver se comportando de maneira irregular ou em desagrado ao interesses da população, exigir do Poder Legislativo a eleição de um novo Chefe de Governo, cabendo ao Legislativo escolher um novo ou reeleger o mesmo, conforme acredite ser o melhor para a sociedade. Caso o Chefe de Estado acredite que a Chefia de Governo, mesmo após sua intervenção, ainda foi escolhida em desacordo aos interesses públicos, ou ainda havendo má conduta dos membros do Poder Legislativo, pode invocar novas eleições, cabendo à população eleger um novo Legislativo, ou reeleger os membros em atuação caso não concordem com o Chefe de Estado. Sendo o Chefe de Estado um Presidente, ele é eleito de maneira direta. Uma vez que sua função é a de representante de todo o Estado, o Presidente não está obrigado a ser vinculado a algum partido político, grupo ou associação.

O modelo de Estado vigente no Brasil é um tanto confuso. A tripartição de poderes — Judiciário, Legislativo e Executivo —, conforme já mencionado, foi criado como modelo de Estado Liberal com o propósito de um Estado que não interviesse na sociedade. Atualmente, os EUA são o último Estado a ainda se declararem um Estado Liberal e manterem em vigência o formato da tripartição de poderes. Na tripartição dos poderes, há o Poder Executivo, que exerce simultaneamente as funções de Chefia de Estado e de Poder Administrativo.

Na América Latina é bastante comum uma variação do modelo de tripartição ode podres. Tendo origem nas repúblicas de natureza militar, esse modelo admite a intervenção estatal na sociedade, mas não lhe dá autonomia, criando uma espécie de Super Poder Executivo que, além de suas atribuições naturais, ainda concentra em si as funções de Governo. Justamente este é o modelo vigente no Brasil, o que nos acarreta uma série de problemas. Primeiro, no aspecto jurídico, acontece de haver no Brasil uma corte responsável pela guarda e cumprimento da Constituição — o Supremo Tribunal Federal —, mas aqui ele é parte do Poder Judiciário. Assim acontece que o próprio Poder Judiciário é responsável por fiscalizar as atividades do Poder Judiciário. Sendo que, ainda, os membros do STF são todos nomeados por indicação do (Super) Poder Executivo e os únicos cargos de magistrados do país que não há necessidade de formação como jurista para exercer a função. Ainda, em relação ao Poder Legislativo, pode haver uma limitação de suas atribuições, uma vez que, caso o Poder Judiciário acabe aplicando concretamente uma lei criada pelo Poder Legislativo e cabendo ao Próprio Judiciário analisar se executou tal norma conforme foi estabelecida pelos representantes do Parlamento, pode ocorrer de ignorar a vontade do Legislativo e estar além de qualquer fiscalização de sua conduta.
Quanto ao Poder Executivo aberrante deste modelo, há uma série de problemas. Primeiro que o Chefe de Estado tem entre suas atribuições a realização viagens para outros Estado para promover acordos, entretanto o Chefe de Governo deve permanecer dentro do Estado para aplicar as políticas públicas e analisar suas eficiências. Cria-se assim o paradoxo de uma função que deve estar fora e dentro do Estado simultaneamente para exercer diferentes tarefas. Ainda, com a vinculação do Chefe de Governo — que deve ser partidário e ideológico — com a função que deveria ser do Poder Administrativo — neutra e impessoal — há a existência de outro paradoxo, ainda mais sendo que os cargos de chefia dentro da administração não seu desempenhados por especialistas em suas áreas escolhidos através de critérios técnicos, e sim por indicação do chefe do Poder Executivo. Assim, a cada troca de Presidente, há uma troca de toda a chefia da Administração Pública, que acaba sendo substituída não por especialistas, mas por membros com vinculações partidárias com o Presidente.
Já na interação entre (Super) Poder Executivo e Poder Legislativo, diferente no Modelo da Chefia de Governo independente, o Presidente não necessariamente apoio da maioria dos membros do Legislativo e, por estar vinculado com um partido político, não tem a neutralidade necessária à função de Chefe de Estado e acaba levando para outros níveis as diferenças ideológicas que deveriam ser discutidas na área central ilustrada pelo gráfico. Nesse contexto, para conseguir apoio do Legislativo na aprovação de propostas, acaba tendo de oferecer cargos na Administração Pública e no Governo em troca deste apoio, o que coloca indivíduos não qualificados para exercer funções técnicas e facilita a ocorrência de casos de corrupção. Ainda, sem a neutralidade, não possui o poder de convocar novas eleições para representantes do Poder Legislativo em caso de má conduta destes. Tão pouco pode destituir o Chefe de Governo, pois este se confunde com ele próprio. Caso o Chefe de Governo — que é o Presidente — desagrade os interesses da sociedade ou exerça uma má conduta, não pode ser facilmente destituído e substituído por um novo. Faz-se necessário todo um processo de Impeachment, que ataca não só o Chefia de Governo, mas a Chefia de Estado, a função de representação e manutenção da estabilidade do país.
Os teóricos — a exceção dos vinculados às correntes liberais — concordam que não existe democracia verdadeira na tripartição de poderes, pois o modelo de Estado Liberal é uma democracia formal — que se determina como sendo uma democracia e garante teoricamente os direitos democráticos —, mas não uma democracia funcional, pois não contém os dispositivos necessários para que os direitos democráticos sejam alcançados de maneira igualitária pelos diferentes grupos sociais nem — no caso da tripartição de poderes que cumula o Poder Executivo com o Governo — para prestar de maneira adequada os serviços públicos e fiscalizar a conduta daqueles que ocupam as funções estatais.
O projeto original da Constituição Brasileira de 1988 previa a existência de apenas uma câmara no Poder Legislativo — a Câmara dos Deputados, inspiradas nas câmaras de representantes eleitos dos Estados europeus — extinguindo o Senado — modelo de câmara baseado na representação regional através daqueles que controlam as terras —, mas os integrantes do Regime Militar, alegando o “temor de que o Estado brasileiro de tornasse um soviete” assumiram uma postura de que desistiriam da abertura política se o Senado não fosse incluído na Constituição. O projeto também previa uma tetrapartição dos poderes estatais, incluindo a existência de uma Chefia de Governo autônoma representada na figura do Primeiro Ministro, mas ela foi alterada sob influência do então Presidente José Sarnney, que alegou como fundamento teórico para a manutenção do modelo de tripartição com o Poder Executivo cumulado ao Governo de origem militar: “Quero ser presidente do Brasil, não rainha da Inglaterra!”. Sendo que as alterações nunca foram completamente ajustadas. um exemplo a existência do instrumento da Media Provisória, que permite ao Presidente legislar, uma aberração estatal de interferência do Poder Executivo nas atribuições do Legislativo. No projeto original, a Medida Provisória era um instrumento do Primeiro Ministro, que é originalmente membro do Poder Legislativo e que, caso abusasse do uso da Medida Provisória, poderia ser facilmente destituído do seu cargo, e a um novo Chefe de Governo caberia decidir manter ou revogar tal medida.