Não há dúvida, ou
alternativa, no instante de selecionar o melhor dos movimentos modernos. Não só
adequado quando se visto pela modernidade, mas quando se observado do século
XIX, porque o Expressionismo tem uma alma moldada no XIX, forjada pelos mesmos
ferreiros que antes, mesmo que não se lembrem, forjaram as espadas empunhadas
pelos cavaleiros que reluziam em prata. Apesar do instinto da Modernidade em
buscar a arte como nada mais do que arte, da arte como um Oruboros, como a
Serpente de Midgard enroscada em si própria sustentando todo um mundo sozinha, o
Expressionismo lutava como se combatia pelas regras antigas. Supondo que você
acredite, como eu, que o espírito — e, assim, a cultura — do Ocidente se formou
do confronto entre os ideais clássicos e os ideais animistas, da eterna batalha
entre uma tentativa de recuperar a tradição helena mediterrânea contra a
retomada da tradição medieval do Norte; que a sucessão Renascimento > Barroco
> Neoclassicismo > Romantismo > Realismo > Simbolismo
foi movida pela ânsia dos filhos em superarem seus pais invocando a sabedoria
de seus avôs… Supondo que esta seja uma das formas de o nosso mundo pode ser
visto, o Expressionismo foi o última geração a lutar nesta guerra.
E quem eram nossos
inimigos? Pois sim que era o Impressionismo. Independente do que eles ou do que
seus inimigos — outros que não nós — dissessem, eles estavam na batalha. Vê
como eles negavam nossos símbolos, nossos sonhos encarnados em formas de anjos,
nossos heróis que salvavam o mundo e nossos magos que faziam o inimaginável?
Como ignoravam tudo aquilo que não podiam ver? Eles podiam fugir de algumas
regras do que se acha “clássico”, regras de forma, mas não das regras de
idéias. Os impressionistas acreditavam em capturar o mundo, na representação
como uma apropriação e duplicação do que se é percebido, apenas discordavam na
forma desta percepção. Em idéia, em espírito — apesar de não acreditarem nisto
—, eram clássicos. Coube ao Expressionismo combatê-los, negar sua
representatividade do que se é percebido apenas pelos sentidos. Mostrar o mundo
como ele é através do que se sente dele, retomar o que é próprio e único de
cada indivíduo, esclarecer que o mundo existe no que pensamos e sentimos dele,
que o mundo existe em nós, quebrar as pretensões objetivas de entender a
verdade. O simples fato de que apenas alguns entre muitos acreditam na
objetividade já não prova que ela é um ponto de vista subjetivo?
O Expressionismo, como
fez a encarnação anterior de sua idéia no espírito romântico, mesmo na
Modernidade, se colocava não com uma ruptura total do passado. Uma ruptura sim,
mas apenas a objetividade antes dela, mas fazendo isso com base em uma
tradição, como uma continuidade de algo que veio antes e que deveria estender
ao futuro. Negava a modernidade e buscava no passado o motivo para continuar.
Em meio ao ferro e ao vapor, tentava lembrar os homens de que a arte que faziam
e eles próprios eram de natureza e propósito espirituais, tentava lembrar que
eles eram mais do que uma massa disforme sem identidade emplastrada em uma
cidade cinza. Então nos davam as cores. Eram tão iguais na crença do subjetivo
que eram tão diferentes, um grupo que estimulava o de específico em cada um a
ponto de, muitas vezes, não se conseguir identificá-los como grupo. Mas só se
você olhar com seus olhos clássicos objetivos, se olhar só as formas. Pois
esses não são seus olhos, são só lentes. Retire-as e experimente outras, veja
não a aparência, mas a idéia, o objetivo, a busca e o sonho. Está vendo como
são todos diferentes e iguais? E iguais e diferentes? E que a igualdade e
diferença não está neles, mas em você? Está na sua mente, e na minha.
À Modernidade, mas sem
esquecer o passado, assim cavalgavam em cavalos brancos de honrados paladinos
medievais, com os corpos tatuados com os símbolos das culturas tribais e seus
ritos que se repetem desde que nossa espécie recebeu uma alma sensível e uma
mente engenhosa, mas trajando novas e espalhafatosas armaduras azuis. Essas recentes
couraças — que não eram feias, ou eram, porque a feiúra não está nelas, esta em
quem as vê feias — habitadas por fantasmas antigos que não queriam abandonar
este mundo, não antes de terem cumprido sua missão.
E depois deles? Depois,
talvez, a guerra tenha acabado. O Espírito Clássico de corpo e intelecto
inquestionáveis trajando sua toga e ostentando a Ordem como arma, O Espírito
Anímico sombrio e intenso rodeado pela tempestade… Ambos caíram pelas mãos de
algo mais intenso, faminto e jovem. Uma nova guerra? Talvez, mas se fosse, não
tratava mais de luta por retomada, nada mais tinha a ver com a tradição. Uma
guerra que os dois antigos não têm força mais para lutar. Uma disputa de arte
como forma, de arte contra arte. Uma batalha de espíritos que se negam como
espírito, de formas vazias e sem alma, uma batalha de golens.
E quem foi o Expressionismo, você pergunta? Foi o último herói a tombar
em uma disputa esquecida, o último a ter alma. Por enquanto, ao menos. Ou você
acredita que o jovem recém nascido, mesmo faminto, tem realmente Ímpeto e Ordem
suficientes para conter pela eternidade os dois velhos inimigos? Tudo que eles
precisam são de novos avatares…
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