segunda-feira, 28 de julho de 2014

Marília

Atendendo a pedidos, o poema Marília escrito por mim, Rafael Machado Costa, e selecionado em 2012 no Concurso Poemas no Ônibus e no Trem da Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.






quinta-feira, 27 de junho de 2013

O Modelo de Estado Democrático e O Brasil


O modelo de Estado democrático pós Segunda Guerra Mundial e que é a referência para os Estados da Europa Ocidental é a hexapartição de poderes. Para explicar melhor, eu usarei a imagem abaixo.
O triângulo representa o Estado e suas funções. Verticalmente há a divisão uma área relacionada às funções mais políticas e intervencionistas, e outra, às questões mais jurídicas e legais. Horizontalmente está divido em três áreas.
Na base da pirâmide,  estão as funções de prestação de serviços, as funções estatais que estão relacionadas a um contato direto com a população, que existem para ouvir e responder às demandas dos cidadãos.
No centro, está a área de discussão ideológica, onde são apresentados e debatidos argumentos pelos representantes dos diferentes grupos sociais. Aqui é o lugar de ação dos partidos políticos e outras formas de representações.
No topo está a área re controle institucional, as funções estatais cujas funções são relacionadas à manutenção da harmonia entre os poderes e da regulação dos excessos do próprio Estado.
No lado jurídico, na base, temos o Poder Judiciário. Sua função é a de prestar serviço direto à sociedade respondendo às demandas da população quanto ao não cumprimento das leis e normas do Estado. É a ele que os cidadãos devem procurar caso acreditem que foram prejudicados pelo descumprimento de alguma norma legal. A função do Poder Judiciário e fazer com que as normas do Estado sejam executadas em cumpridas. O Poder judiciário deve ser formado por especialistas, técnicos treinados para dominarem os conhecimentos legais sem vinculações partidárias escolhidos a partir de suas habilidades técnicas cuja função é executar as normas conforme foram aprovadas pelo Poder Legislativo.
No segundo nível, há o Poder Legislativo. Formado por representantes da sociedade eleitos, é o poder estatal ao qual cabe a função de laborar as leis do Estado. Aqui cabe a filiação partidária dos seus membros, cuja função é levar as questões da população que representam e discutirem a elaboração das normas. Em alguns estados, o Poder Legislativo é dividido em duas casas: uma Câmara Baixa — formada de representante das diferentes populações que habitam o Estado — e uma Câmara Alta — formada de representantes dos territórios. A origem desta forma de duas câmaras vem do modelo inglês de parlamento, formado historicamente pela Câmara dos Comuns, formada por representantes eleitos pelos moradores das vilas e cidades convocados pela primeira vez pelo rei Edward I para auxiliar na condução do reino, e pela Câmara do Lords, formada pelos nobres que tinham direitos sobre as terras e representavam os interesses de suas Casas primeiro como conselheiros militares do rei, e depois como fiscais de orçamento e legisladores do reino. Cabe ainda ao Poder Legislativo o julgamento e cassação do mandato do Chefe de Estado caso este viole alguma de suas funções ou deveres em ralação ao Estado. Esta função de julgamento do chefe de Estado tem origem nas atribuições da Câmara dos Lords de fiscalizar as atividades do rei.
No topo está o Tribunal Constitucional. Elaborado como poder estatal por Hans Kelsen após a Segunda Guerra Mundial com a finalidade de impedir que o Estado execute suas normas de maneira burocratizada e automatizada sem avaliar moralmente suas atividades como ocorrido nos Estados de modelo totalitaristas. Sua função é garantir o cumprimento dos princípios previstos na Constituição e os direitos humanitários. Cabe ao Tribunal Constitucional o controle do Poder Judiciário, avaliando e garantindo que suas decisões sejam realizadas todas sem violar as normas constitucionais. Cabe ainda a ele analisar as novas normas aprovadas pelo Poder Legislativo e anulá-las caso violem princípios constitucionais ou direitos humanos. Simplificando, a função do Tribunal Constitucional é garantir o cumprimento da Constituição do Estado. Os membros do Tribunal Constitucional são constituídos através de diferentes meios. Parte deles de membros do Poder Judiciário eleitos internamente por seus pares, parte eleitos por professores universitários da área jurídica também de maneira interna por seus pares, parte de maneira direta pela população em geral e, em alguns casos, um membro indicado pelo Chefe de Estado.

No segmento político do gráfico, temos, na base, o poder Administrativo. Teorizado como poder autônomo por Max Weber, o Poder Administrativo tem a função de executar as políticas públicas escolhidas pelo Estado e realizar na prática as interferências e intervenções sociais determinadas por estas políticas. Como o Judiciário, o Poder Administrativo deve ser formado por técnicos, especialistas nas funções que executam e sem vinculação partidária enquanto executam seus serviços, da maneira mais neutra possível. O Poder Administrativo é aquele que está em contato mais direto com a população para atender e responder às suas demandas.
Na área central está localizado a Chefia de Governo. Teorizado por Benjamin Constant, que, diante do modelo de tripartição do Estado Liberal criado pelos partidários da revolução francesa, previu que seriam necessárias medidas para regular a sociedade. O modelo de Estado Liberal — dividido em três poderes: Judiciário, Legislativo e Executivo — vinha como resposta ao Estado Absolutista em que o rei poderia interferir de maneira irrestrita na vida da população. Tentando acabar com o mal do Estado superpoderoso que tinha influência em excesso sobre os cidadãos, criaram um modelo dividido em três poderes em que cada um dos poderes estatais tinha instrumentos para barrar e impedir o funcionamento de um dos outros dois. Assim, acreditavam que o Estado riria se auto-impedir de gerenciar a sociedade, deixando-a livre para se autorregular, conforme a lógica a que se submetiam os ideais do Liberalismo e do Capitalismo. Constant acreditava que, se o Estado Liberal fosse mantido em longo prazo, ele aumentaria as desigualdades sociais. Então elaborou um quarto poder estatal, o Governo. Segundo Constant, o Governo seria um braço do Estado cuja função era a de interferir na sociedade a regulando e criando políticas públicas de interferência, como em questões dos serviços públicos. Mas também previu que o responsável por exercer a função estaria em constante conflito com alguns dos membros da sociedade, porque suas atividades seriam a de decidir de que forma o Estado deve interferir na sociedade e em qual dessas interferências investir seus recursos limitados e em qual não investir, sendo impossível agradar a todas as facções da população ao mesmo tempo. Tal função foi estruturada ao redor da Chefia de Governo — em alguns Estados chamada de Primeiro Ministro, Chanceler ou Premier. O Chefe de Governo é um membro do Poder Legislativo eleito de maneira interna por seus colegas para desempenhar tal função. Caso cometa ações que desagradem a maioria da população, pode, a qualquer momento, ser eleito um novo Chefe de Governo que esteja mais de acordo com os interesses daquela sociedade naquele momento.
No topo da pirâmide está o Chefe de Estado. O chefe de Estado — dependendo do modelo estatal pode ser um Presidente ou Rei — tem entre suas atribuições a de representar o Estado em territórios estrangeiros e fazer acordos e pactos com outros Estados e organizações internacionais. Ainda exerce uma função de mantenedor da ordem e estabilidade do Estado, como um tipo de segurança psicológica, provocar a sensação na população de que tem alguém mantendo a integridade e função correta do Estado. Cabe a ele ainda a função de, caso o Chefe de Governo estiver se comportando de maneira irregular ou em desagrado ao interesses da população, exigir do Poder Legislativo a eleição de um novo Chefe de Governo, cabendo ao Legislativo escolher um novo ou reeleger o mesmo, conforme acredite ser o melhor para a sociedade. Caso o Chefe de Estado acredite que a Chefia de Governo, mesmo após sua intervenção, ainda foi escolhida em desacordo aos interesses públicos, ou ainda havendo má conduta dos membros do Poder Legislativo, pode invocar novas eleições, cabendo à população eleger um novo Legislativo, ou reeleger os membros em atuação caso não concordem com o Chefe de Estado. Sendo o Chefe de Estado um Presidente, ele é eleito de maneira direta. Uma vez que sua função é a de representante de todo o Estado, o Presidente não está obrigado a ser vinculado a algum partido político, grupo ou associação.

O modelo de Estado vigente no Brasil é um tanto confuso. A tripartição de poderes — Judiciário, Legislativo e Executivo —, conforme já mencionado, foi criado como modelo de Estado Liberal com o propósito de um Estado que não interviesse na sociedade. Atualmente, os EUA são o último Estado a ainda se declararem um Estado Liberal e manterem em vigência o formato da tripartição de poderes. Na tripartição dos poderes, há o Poder Executivo, que exerce simultaneamente as funções de Chefia de Estado e de Poder Administrativo.

Na América Latina é bastante comum uma variação do modelo de tripartição ode podres. Tendo origem nas repúblicas de natureza militar, esse modelo admite a intervenção estatal na sociedade, mas não lhe dá autonomia, criando uma espécie de Super Poder Executivo que, além de suas atribuições naturais, ainda concentra em si as funções de Governo. Justamente este é o modelo vigente no Brasil, o que nos acarreta uma série de problemas. Primeiro, no aspecto jurídico, acontece de haver no Brasil uma corte responsável pela guarda e cumprimento da Constituição — o Supremo Tribunal Federal —, mas aqui ele é parte do Poder Judiciário. Assim acontece que o próprio Poder Judiciário é responsável por fiscalizar as atividades do Poder Judiciário. Sendo que, ainda, os membros do STF são todos nomeados por indicação do (Super) Poder Executivo e os únicos cargos de magistrados do país que não há necessidade de formação como jurista para exercer a função. Ainda, em relação ao Poder Legislativo, pode haver uma limitação de suas atribuições, uma vez que, caso o Poder Judiciário acabe aplicando concretamente uma lei criada pelo Poder Legislativo e cabendo ao Próprio Judiciário analisar se executou tal norma conforme foi estabelecida pelos representantes do Parlamento, pode ocorrer de ignorar a vontade do Legislativo e estar além de qualquer fiscalização de sua conduta.
Quanto ao Poder Executivo aberrante deste modelo, há uma série de problemas. Primeiro que o Chefe de Estado tem entre suas atribuições a realização viagens para outros Estado para promover acordos, entretanto o Chefe de Governo deve permanecer dentro do Estado para aplicar as políticas públicas e analisar suas eficiências. Cria-se assim o paradoxo de uma função que deve estar fora e dentro do Estado simultaneamente para exercer diferentes tarefas. Ainda, com a vinculação do Chefe de Governo — que deve ser partidário e ideológico — com a função que deveria ser do Poder Administrativo — neutra e impessoal — há a existência de outro paradoxo, ainda mais sendo que os cargos de chefia dentro da administração não seu desempenhados por especialistas em suas áreas escolhidos através de critérios técnicos, e sim por indicação do chefe do Poder Executivo. Assim, a cada troca de Presidente, há uma troca de toda a chefia da Administração Pública, que acaba sendo substituída não por especialistas, mas por membros com vinculações partidárias com o Presidente.
Já na interação entre (Super) Poder Executivo e Poder Legislativo, diferente no Modelo da Chefia de Governo independente, o Presidente não necessariamente apoio da maioria dos membros do Legislativo e, por estar vinculado com um partido político, não tem a neutralidade necessária à função de Chefe de Estado e acaba levando para outros níveis as diferenças ideológicas que deveriam ser discutidas na área central ilustrada pelo gráfico. Nesse contexto, para conseguir apoio do Legislativo na aprovação de propostas, acaba tendo de oferecer cargos na Administração Pública e no Governo em troca deste apoio, o que coloca indivíduos não qualificados para exercer funções técnicas e facilita a ocorrência de casos de corrupção. Ainda, sem a neutralidade, não possui o poder de convocar novas eleições para representantes do Poder Legislativo em caso de má conduta destes. Tão pouco pode destituir o Chefe de Governo, pois este se confunde com ele próprio. Caso o Chefe de Governo — que é o Presidente — desagrade os interesses da sociedade ou exerça uma má conduta, não pode ser facilmente destituído e substituído por um novo. Faz-se necessário todo um processo de Impeachment, que ataca não só o Chefia de Governo, mas a Chefia de Estado, a função de representação e manutenção da estabilidade do país.
Os teóricos — a exceção dos vinculados às correntes liberais — concordam que não existe democracia verdadeira na tripartição de poderes, pois o modelo de Estado Liberal é uma democracia formal — que se determina como sendo uma democracia e garante teoricamente os direitos democráticos —, mas não uma democracia funcional, pois não contém os dispositivos necessários para que os direitos democráticos sejam alcançados de maneira igualitária pelos diferentes grupos sociais nem — no caso da tripartição de poderes que cumula o Poder Executivo com o Governo — para prestar de maneira adequada os serviços públicos e fiscalizar a conduta daqueles que ocupam as funções estatais.
O projeto original da Constituição Brasileira de 1988 previa a existência de apenas uma câmara no Poder Legislativo — a Câmara dos Deputados, inspiradas nas câmaras de representantes eleitos dos Estados europeus — extinguindo o Senado — modelo de câmara baseado na representação regional através daqueles que controlam as terras —, mas os integrantes do Regime Militar, alegando o “temor de que o Estado brasileiro de tornasse um soviete” assumiram uma postura de que desistiriam da abertura política se o Senado não fosse incluído na Constituição. O projeto também previa uma tetrapartição dos poderes estatais, incluindo a existência de uma Chefia de Governo autônoma representada na figura do Primeiro Ministro, mas ela foi alterada sob influência do então Presidente José Sarnney, que alegou como fundamento teórico para a manutenção do modelo de tripartição com o Poder Executivo cumulado ao Governo de origem militar: “Quero ser presidente do Brasil, não rainha da Inglaterra!”. Sendo que as alterações nunca foram completamente ajustadas. um exemplo a existência do instrumento da Media Provisória, que permite ao Presidente legislar, uma aberração estatal de interferência do Poder Executivo nas atribuições do Legislativo. No projeto original, a Medida Provisória era um instrumento do Primeiro Ministro, que é originalmente membro do Poder Legislativo e que, caso abusasse do uso da Medida Provisória, poderia ser facilmente destituído do seu cargo, e a um novo Chefe de Governo caberia decidir manter ou revogar tal medida.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Anjos Natalinos #3

Atrasado, mas presente, atualizo com os modelos do natal de 2012.
Para quem não sabe do que se trata, explico (o que, não necessariamente, justifica):
Certo, vamos aos tão esperados modelos desta geração.


Atrocitus, Sinestro, Guardião de Oa, Caçador Cósmico, Santo Andarilho, Carol Ferris e Índigo-1

Esta série fora iniciada em dezembro de 2010 e ficou parada até dezembro de 2012, quando eu, nos últimos dias antes da virada do ano os retomei.




Aqui as etapas do processo de criação
E mais uma figura extra feita por encomenda:
Edição Especial Limitada

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

As Mais Recentes Notícias das Revistas Fancesas (de 1878)


Notícias Internacionais – França, 1878
 
Homem é assassinado, e grupo de justiceiros aterroriza moradores no interior da América
 

John Tunstal
Vítima de latrocínio encontrada baleada na cabeça.

 
John Tunstall, criador de gado no condado de Lincoln, no estado do Novo México, América, foi encontrado morto no dia 18 de fevereiro. O corpo fora alvejado por inúmeros projéteis de arma de fogo, incluindo um disparo na região do crânio feito por um rifle. Testemunhas relatam que a vítima fora surpreendida por um grupo que estava a furtar algumas cabeças de gado de sua propriedade.
Essas mesmas testemunhas afirmam que o latrocínio fora cometido por um grupo de homens legalmente armados associados aos proprietários do armazém atacadista The House. A polícia suspeita que o motivo seja a disputa pelos contratos de comércio de carne com o estado do Novo México e o controle das áreas de pasto da região. Alexander McSween, advogado, sócio e amigo da vítima disse estar consternado e exigiu das autoridades competentes e do Governador do Novo México que os responsáveis sejam levados à Justiça.
O recém nomeado policial especial R. M. Bruer foi encarregado de liderar a equipe de investigação. Entretanto pessoas que por questões de segurança preferem não se identificar, mas que demonstraram simpatia pelo grupo de regulators, afirmam que os homens de Bruer vêm praticando atividades de milícia e executando sumariamente os acusados.
Diante de tais acontecimentos, o Governador do estado do Novo México decretou a exoneração e prisão de Bruer e seu grupo. O xerife de Linclon adverte aos cidadãos que levem às autoridades qualquer informação referente ao paradeiro do grupo e que tomem especial cautela caso encontrem com Willian Henry Bonney, um dos integrantes da milícia cujo comportamento é considerado extremamente perigoso.

 

Suspeito foragido Willian Henry Bonney, também conhecido pela alcunha “Billy The Kid”

 


Selvagens asiáticos pretendem organizar exército
 
É com imensa compaixão que chega a nós a notícia de que uma tribo de selvagens no leste da Ásia revelou que seu rei pretende, a partir deste ano, organizar um exército de verdade.
Isolados na ilha desolada e não desbravada descoberta pelos portugueses conhecida como Japão, tal povo vive em total selvageria e barbarismo. Segundo informações que vieram a nós através de contato com o embaixador da Holanda — que até a década passada era única nação civilizada a ter relações com a tribo desde 1639 —, até dois anos atrás, os “guerreiros” tribais locais se utilizavam de espadas, arcos, flechas e armaduras para combater. Imaginem o quanto será engraçado quando o bando de incivilizados tentar disparar uma arma de fogo.
Como se essa simples pretensão já não fosse digna de pena, saibam que o rei do Japão decidiu organizar seu novo exército com base nos métodos detestáveis alemães. Aparentemente, esse rei bárbaro possui certa simpatia por modelos da Alemanha. E certamente não é à toa, pois existe povo mais selvagem, bárbaro e inculto do que os alemães em toda a Europa? Não que se faça necessário, mas oremos para que os selvagens do Japão fracassem. A última coisa de que este mundo necessita e de outra maldita Alemanha.

Selvagens orientais vivendo em ambiente inóspito da Ásia




Lançamento de mais um desagradável ensaio de que os malditos alemães chamam de filosofia
 

Acaba de ser lançado na desagradavelmente fria Alemanha — como se seus habitantes já não fossem suficientemente desagradáveis e não houvessem saqueado nossas terras da Lorena e da Alsácia na última guerra — o livro Humano, demasiado Humano. Trata-se de uma obra não digna de nota escrita por um professorzinho de menor categoria chamado Friedrich Nietzsche. O grande tema do texto é uma desnecessária discussão em que o autor demonstra toda a frigidez e insensibilidade dos espíritos nascidos no norte, seu rancor por ter de viver em uma terra gelada e bárbara e sua total falta de domínio sobre os verdadeiros sentimentos relacionados à Arte.
Nietzsche, em seu texto, deixa claro seu modo de pensar retrógrado, seu amor por ideais aristocratas e escravistas e sua idéia de que o povo não é o verdadeiro dono da nação, e sim apenas uma ferramenta na mão de uma nobreza tirana. Uma mente que só poderia ter se formado em um local dominado por uma ausência total de cultura e ainda imersa no barbarismo. Quem sabe um dia os alemães sejam iluminados pela razão e, como fizemos em nossa França, cortem a cabeça de todos os seus aristocratas e de seus bajuladores. Sugiro que comecem pelo professor Nietzsche, mas duvido que um alemão possa vir a ter algum sinal de lucidez.
 

Informes de Guerra
 
Cabul, Afeganistão.
Shere Ali Kahn, filho do falecido Emir Dost Muhammad, assumiu recentemente o trono e parece ter adotado abertamente uma política favorável à Rússia. Os ingleses, devido às suas óbvias limitações intelectuais, apenas agora perceberam a ideologia a que o novo monarca do Afeganistão se alinhou e mobilizam tropas preparando um ataque de forças anglo-indianas para novembro. Nosso pintor histórico enviado ao local nos mandou uma pintura a óleo mostrando em que situação se desenrolam as manobras militares. Torçamos para que os russos e ingleses se destruam mutuamente nesta nova e iminente Guerra Anglo-Afegã e que os valorosos franceses mortos nas Guerras Napoleônicas sejam vingados.
 

 
Quadro de nosso pintor histórico enviado à região ilustra afegãos (peças amarelas) aliando-se aos russos (peças brancas), enquanto armada inglesa (casacos vermelhos), ao que tudo indica, prepara uma “troca” para a próxima rodada.

 
Heróis da Revolução: o Card Game
 

Junte, troque, colecione!
 
Adquira já seu baralho do mais novo card game da Europa. Inúmeros heróis, vilões e conspiradores. Escolha entre ser um jacobino, girondino ou aristocrata e batalhe com seus amiguinhos neste sensacional jogo de cartas RPG!

 
 
Já está disponível a mais recente edição, agora incluindo exclusivas cartas com todos os membros da Santa-Aliança!

Peça o seu para o papai burguês e para a mamãe burguesa!


 

sábado, 15 de dezembro de 2012

O Cão Muito Distante


Miguel RIO BRANCO
Dog Man Man Dog, 1979
(detalhe)
fotografia


Ao adentrar no Santander Cultural para ver a exposição Ponto Cego de fotografias e outros trabalhos de Miguel Rio Branco — realizada em Porto Alegre de 5 de setembro a 11 de novembro de 2012 —, eu me deparei um espaço negro. Em meio à escuridão que o lugar se tornou, as obras expostas pareciam gritar em uma explosão de cores, me chamavam de longe. Eu até tentava desviar o olhar, mas invariavelmente acabava diante de outra distante tentação cromática, de outra sereia cantando para me atrair.
Então, ao desistir de minha resistência, tomei coragem para me aproximar e confrontá-las. Entretanto, ao me aproximar, era como se o encanto se fosse, como se a canção ecoando ao longe fosse muito mais poderosa do que ela vinda direto de sua fonte. Só havia um murmúrio.
Os trabalhos pareciam me falar sobre cor e textura — principalmente textura —, sobre capturar formas, sobre a captura de elementos — objetos — em um espaço capturado, sobre acumulação de diferenças, sobre contraste, mas tudo isso era só formal. Certo, havia algumas questões sociais em alguns lugares, mas me pareciam tão longe, escondidas por tantos níveis de massas, granulações e relevos. Pareciam ser apenas uma desculpa para tratar das formas.
Caminhando pelo espaço, eu via imagens ásperas, que eu acreditava que deveriam me ferir, mas só esfolavam minha pele, não me machucavam por dentro. Houve um instante que o que mais me incomodava na exposição era minha indiferença a ela, a preocupação de ter me tornado insensível querendo que aquelas paredes desabassem e me esmagassem na esperança de que assim as obras me fizessem sentir algo. Então eu continuei caminhando naquele lugar que eu achava que deveria me passar alguma sensação mais elaborada e intensa, mas que neste dia só me explicava relações frias que poderiam ser convertidas em fórmulas ou tabelas.
Então eu vi lá na frente, brilhando entre o espaço negro, e corri em sua direção. Ao chegar, não, antes disso eu desacelerei e, diferente dos outros casos, não me veio a indiferença. Eu quis recuar e ir para longe, mas não fui. A obra era Dog Man – Man Dog, de 1979, e tratava-se de duas fotos, mas foi uma delas, e posicionada acima, que me atraiu e repeliu simultaneamente. Era a fotografia de um cão deitado em uma calçada, encolhido, totalmente contaminado com alguma forma de doença de pele. E os detalhes de texturas de Rio Branco só faziam sua moléstia parecer mais grave, e, ao mesmo tempo, faziam-na parecer uma extensão da sujeira no chão em que estava, nas feridas provocadas nas pedras do calçamento.
O cenário era tão frio, o concreto e as pedras como um deserto que combate o que é vivo, e o cão lá fraco e parecendo agonizante. Tão fraco que parecia não ter mais forças para agonizar. E tudo o que eu pensava era em como aquela imagem me enfraquecia.
Fez-me recordar um acontecido há cinco anos. Eu voltava para casa mais cedo do que deveria. Por algum motivo, desisti de assistir uma aula e fui embora. Quando caminhava para casa, vi lá na frente na rua um homem despejando o conteúdo de um carrinho de mão em um barranco. Terminado seu afazer, o homem veio em minha direção empurrando o carrinho e passou por mim indo à direção oposta. Quando passei pelo local onde o homem descarregara, tive a impressão de ouvir um barulho, mas depois de confrontar o silêncio, segui adiante. Então novamente ouvi o som que não entendia. Voltei, me aproximei da proteção na lateral da rua e olhei barranco abaixo. Lá no fundo, encima de uma pilha de lixo, estava em um grande saco um cachorro enfiado pela metade, com as pernas e cauda para fora, e um pequeno filhote que me chamava. Então pulei a cerca e desci ao outro nível. Lá embaixo eu percebi que o cachorro mais velho dentro do saco estava morto, e o filhote completamente coberto por uma doença de pele que o fazia mais parecer uma tartaruga do que um cão. Então o coloquei em cima do paredão que levava ao nível de aonde eu viera e torci para que não corresse para a rua enquanto eu escalava de volta. Lá em cima, eu não sabia o que fazer com o filhote, e ele passou a me seguir. Então andei devagar para que pudesse me acompanhar até em casa.
Então, com toda a atração e repulsa, com o conflito entre ir embora ou permanecer ali observando mais um pouco, eu percebi que esta foto conseguiu me ferir, me machucar por dentro, e não só esfolar a pele. Talvez ela tenha me servido como um punctum dentro da exposição. Não um ponto em uma foto, mas uma foto entre fotos, que acaba sendo de alguma maneira um ponto entre pontos, mas em uma escala diferente. Algo que eu possa definir, tocar, limitar e que, por alguns instantes me arrancou daquele tempo e me levou a algum outro já passado.
Depois de vê-la, depois de esperar alguns momentos diante da fotografia do cão, eu percebi que estava pronto para ir embora. Não precisava ver o resto da exposição. O que ela tinha para me falar, já tinha dito ali. Eu não queria voltar, não precisava voltar, para as esfoladas superficiais e frias, para os cortes na pele realizados para vê-la se abrir, mas que não causam dor. Eu só pensava no cão da fotografia ali caído precisando ser salvo, mas distante de mim. Tão longe em 1979, onde, não importasse o quanto eu corresse, não poderia chegar. Em quanto e era pequeno e escurecido naquele espaço negro a ponto de me tornar imperceptível.

 

 

Arroz, o cachorro juntado do barranco, aos três anos de idade.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O Corcel, O Andarilho e O Punctum

Na terça-feira da semana passada, dia 4 de dezembro, eu fazia uma das minhas caminhadas rotineiras do Shopping Praia de Belas até o Instituto de Artes da UFRGS. Estava eu pensando em coisas que não deveria pensar, mas que minha mente tendenciosa à circularidade e autodestruição não me permite evitar, quando contemplei algo inesperado em meu caminho. Estava quase na esquina entre as ruas Praia de Belas e Borges, naquela praça em frente ao Colégio Pão dos Pobres.
No instante em que o vi, percebi que ele havia me percebido e olhava de volta com a mesma curiosidade com que eu o examinava. Era um lindo corcel branco, selado e preparado para entrar em ação. Não, não para ser cavalgado, pois obviamente era um coração selvagem daqueles que não podem ser domados, apenas conquistados pelo tempo em que merecê-lo. Era mais como se fosse um adereço púrpura o que estava sobre seu lombo, a mesma cor do penacho que ostentava sobre a fronte. Parecia estar pronto para um grande espetáculo, talvez ter a honra de encontrá-lo em meu caminho tenha sido este espetáculo, talvez minha cara pasma tenha sido um espetáculo para ele, mas isso eu apenas posso conjecturar.
O fato de ele estar vagando sozinho por paragens como aquela prova o quão indomável era sua essência. Certo que eu também vagava solitário e a esmo, mas a principal diferença, creio eu, eram nas naturezas de nossos seres. Não que isso faça de mim algo superior, talvez até mesmo o contrário, mas ouso agora afirmar que este cavalheiro sem cavaleiro era feito de mais refinada matéria plástica. Sim, e tinha apenas uns quinze centímetros de altura, mas não foi isso que o impediu de sair sozinho às ruas. Estava posicionado sobre uma daquelas grandes tampas de concreto que cobrem os dutos de escoamento de água das ruas, cercado por terra nua, daquelas frustradas por desejarem ser local de brotação da vida verde, mas impedidas pelas pisadas de transeuntes insensíveis às suas angústias. Ele olhava o movimento de veículos na rua, enquanto eu o observava e imaginava se estava a esperar alguém. Então me lembrei de um fato ocorrido comigo há muitos anos.
No final da década de 1980, certa vez eu andava pelas ruas do Centro de Porto Alegre na companhia de meus pais e, talvez, mais alguém. Não tenho certeza dos lugares por qual passamos, parece que minha memória só guardou o cenário mais imediatamente próximo de mim: apenas um lado da rua, um prédio cercado em construção ou reforma, uma calçada que tivera parte das pedras do calçamento removidas para a obra. Em determinado momento da jornada, percebi que o tesouro que sempre mantinha em minhas mãos — neste caso, na minha mão livre, pois a outra era usada por minha mãe para me conduzir — não estava mais lá. Eu entrei em desespero, por certo. Como poderia continuar deixando-o para trás? E se ele precisasse de mim? E se eu precisasse dele? Éramos uma equipe, ele era importante. Os meus acompanhantes cogitaram continuar, mas acabaram cedendo aos meus protestos. Então refizemos o caminho no sentido inverso observando-o atentamente em cada detalhe, mirando entre os pés dos demais transeuntes, mas constantemente eles me alertavam das altas probabilidades de insucesso de nossa demanda. Lembro de sentir uma dor, o medo de ter de, em um momento muito próximo, confrontar a triste verdade, a perda. Talvez tenha sido a minha primeira e uma das mais rápidas experiências diante dos Estágios Kübler-Ross. Mas finalmente eu o vi. Estava lá me esperando. Valente, certo de que eu voltaria para resgatá-lo. O que me envergonhou, porque, por um momento, eu considerei desistir. Mas o encontrei, o meu boneco do Lion-O do desenho Thundercats. Meu pai o guardou em seu bolso para nos garantirmos de que outro incidente como este não ocorreria em nossa jornada, e nunca mais o deixei para trás outra vez.

Então voltamos para o corcel e eu. Eu relembrei desse dia ao vê-lo, graças a ele. E eu soube que havia me dado o que  Roland Barthes chamou de punctum, e por isso eu o agradeci. Pensei em juntá-lo e levá-lo comigo, mas então percebi que ele não era meu. Já havia me presenteado, e seria injusto se eu o aprisionasse, se eu impedisse o próximo viajante de aprender algo com ele. Pensei ainda na criança que naquele momento protestava e convencia os pais a voltar pelo caminho na esperança de resgatá-lo. Então me despedi, e o deixei lá me esforçando ao máximo para não olhar para trás.
No dia seguinte, passei pelo local de ônibus, e ele não estava mais lá. Então me lembrei do romance Roveradom que  J. R. R. Tolkien escreveu para o seu filho Michael quando ele perdeu seu cachorrinho de brinquedo, em que narrava todas as aventuras tidas pelo cãozinho até ser novamente encontrado. Lembrei de Roveradom — um rover random — e preferi acreditar que o corcel branco havia voltado para casa.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

História da Arte, Megalomania e Eu

Esta é a história de um grupo de homens que tinham algo em comum: todos se achavam grandiosos a ponto de determinar quais acontecimentos irrisórios e irrelevantes deveriam ser legados às próximas gerações, obrigando seus descendentes a repetirem exageradamente seus aborrecidos relatos até cumprirem o fato de azucrinar toda e completamente a paciência de sua espécie.
Oh, você duvida que nove desses inocentes homens, movidos por justos motivos e honradas ambições possam determinar um destino tão funesto à colossal massa ignóbil que chamamos de humanidade? Então se sente, meu bom amigo, e prepare-se. Aconselho que acomode bem a cabeça, tire o monóculo e o guarde protegido no bolso de seu colete ou outro local no qual torne impossível a ele cair dentro da sua xícara de chá assim que se aborreça e caía no sono. Comecemos então tal história pelo modesto Abade Suger (c. 1081 1151).

Este santo homem, em pleno século XII, acreditou que merecíamos, você e eu e todos aqueles que vieram depois dele e ainda virão, saber detalhadamente de que maneira ele coordenou a reforma na Igreja de St. Denis. Através de longos e enfadonhos relatos de pedreiro, ele supera a cada parágrafo sua capacidade de se autovangloriar através de uma técnica tão refinada que consegue enganar — pelo menos a si próprio — de que está atribuindo a Deus, e não a si, os méritos da obra que ele faz questão de declarar que assumiu, ordenou, organizou e liderou de sua insignificância.
Você deve concordar comigo quando afirmo que apenas um homem santo e culto poderia redigir trechos tão sacros, mas, simultaneamente, tão empíricos e descritivos, fusionando tão adequadamente os dois mais insuportáveis estilos de escrita existentes em uma obra de uma precisão e requinte imperdoáveis polindo-os com o entusiasmo de uma prestação de contas ou declaração de pagamento de tributos como este fragmento:

Fizemos preparativos para fortalecê-los em toda a sua extensão, externamente nobres pelo ornamento por virtude desses e de similares [materiais preciosos], e ainda assim internamente não ignóbeis no que diz respeito à segurança, em virtude de uma alvenaria de pedras muito fortes; e no exterior –a fim de evitar que o local seja desfigurado pelo material das pedras expostas– adorná-los (ainda que não [de forma tão atraente] quanto seria apropriado) com painéis dourados de cobre fundido. Pois a generosidade de tão grandes Padres, experienciada por nós mesmos e por todos, demanda que nós, os mais miseráveis homens que sentimos, bem como precisamos de sua tutela, consideremos digno dela nosso esforço em cobrir as mais sagradas cinzas daqueles cujos veneráveis espíritos, radiantes como o sol, servindo a Deus Todo-Poderoso com o mais precioso material que possivelmente a nosso alcance: com ouro refinado e uma profusão de jacintos, esmeraldas e outras pedras preciosas.

Ainda mais santos são apenas aqueles que suportaram tal leitura sem citar o querido Suger devolvendo sua graciosa frase: “possa ele merecer a cólera de nosso Senhor Denis e ser perfurado pela espada do Espírito Santo.”

No século XV em meio à redescoberta da cultura clássica, Antoni Manetti (1423 1497) fez questão de nos legar seu testemunho do “renascimento cultural” expressando sua gentil e delicada bajulação a Fillipo Bruneleschi e o defendendo e justificando sua derrota para Ghiberti — no concurso pela importantíssima e única oportunidade de fabricar uma porta — equiparável apenas a um contemporâneo narrador futebolístico descrevendo uma partida na qual seu time predileto é vergonhosamente derrotado devido a uma bestial incompetência.
Manetti deixa claro sua erudição em relação à matéria de que trata em seu texto, como em trechos em que descreve as formas de conexão entre estruturas arquitetônicas: “[…] essas partes eram quadradas, poligonais ou perfeitamente redondas, circulares ou ovais, ou de algum outro formato.” Sábio como só ele e detentor da tradição clássica, pôde compreender que chutar todas as formas geométricas por ele conhecidas — que nem eram tantas quanto esperadas — e acrescentando “ou de algum outro formato” certamente abrangeria todas as possibilidades reduzindo as suas chances de cometer algum equívoco ou omissão a quase nulas.
Apenas há uma falha imperdoável nesse imparcial relato do menino Antonio: que ele tenha desconsiderado o importante papel e a arte única que apenas o bom senso de um homem comedido poderia produzir. Ao alegar isso, refiro-me ao seguinte trecho:“Mais tarde Paolo Uccello e outros pintores tentaram fazer a mesma coisa e imitar, vi mais de uma e não foram boas como aquela.” Ora Antonio, como pôde a você ser incapaz de perceber a perspicaz visão de um homem que pintava campos em cores azuis?

Pois nas entranhas do início do século XVI, Albrecht Dürer (1471 1528) nos empurra esôfago abaixo o mingau seboso e azedo feito por suas mãos na esperança de que o regurgitemos como nosso novo messias. Seu desespero em mostrar o quão elevado a cultura faz de um homem e o destaca da multidão, seu clamor para que o reconheçamos com distinção entre os seus pares de sua terra só ratifica ainda mais o quão selvagens são os homens do Norte. Como um guardião da arte e da cultura, o velho Alby se mostra como um enviado de Deus em sua santa cruzada para ensinar àqueles menos talentosos do que ele — ou seja, todos que possa encontrar — os melhores métodos que aprendeu e desenvolveu.
Tudo bem, Dürer, você é um bom menino, não precisa implorar tanto, eu concordo que você é esperto se prometer parar de se lamuriar. Sorte nossa a Providência estar tão disposta a nos conceder a graça que enviou às geladas terras alguém tão importante quanto Albrecht para nos ensinar e nos educar. Esforça-se tanto para demonstrar a suma relevância daqueles que deixam algum ensinamento sobre arte deixando isso como ensinamento sobre arte. Mas o que mais poderia se esperar de um homem que se representa como Jesus? O único evento de notável surpresa — ou “não evento” — é Dürer ter resistido ao impulso natural de deixar registros de como ele, na verdade, nascera na Itália, deixando tal documento como testamento antes de sozinho, pois assim solitário exige-se de um homem em sua condição especial, crucificar a ele próprio. Esse foi um homem que se preocupou em deixar um legado para as próximas gerações, independente da existência do mérito de este legado constituir em sua própria imagem.

Em 1593, Cesare Ripa (c. 1560 c. 1622) teve uma esplêndida idéia. Resolveu determinar, através de sua incomparável habilidade de tudo observar e catalogar, quais características deveriam ser usadas para representar cada alegoria ou conceito. Provavelmente, cansado de tentar entender o que diabos queriam dizer os pintores de sua época, resolveu criar ele os critérios para a representação, podendo assim compreender todas as obras através de um método muito mais simples do que aprender as formas de representação elaboradas por outros. Afinal, para que aprender quando se pode obrigar os demais a saberem apenas e somente aquilo que você já sabe?
Assim surgiu a visão simplista que conveniente favoreceu sua habilidade inata de classificar a tudo em apenas duas categorias: “elas se resumem ao fato de serem brancas ou negras, proporcionadas ou desproporcionadas, gordas ou magras, jovens ou velhas […]”. Dessa forma, ele determinou quais posições, formas de penteado, e frases de efeito deveriam ser cristalizadas como manifestação máxima de conceitos. Falo de conceitos ordinários e pouco desenvolvidos, claro. Não espera que conseguisse em relação a ideais mais complexos e elaborados, nem ele próprio esperava isso, uma vez que afirma preferir deixar de lado as representações relacionadas à escrita e à filosofia.
De qualquer forma, esse foi Cesare Ripa, o grande pai de tudo o que é kitsch e santo patrono e protetor da indústria cultural contemporânea. Se bem que talvez já tenha chegado a hora do advento de um novo Ripa, talvez assim alguém conseguisse fazer com que os artistas contemporâneos sigam uma padronização mínima de linguagem, e alguém além deles próprios e de suas mães — mentira, suas mães dizem que entendem, mas é só para agradar — possa alcançá-los e ancorá-los ao mundo de tudo aquilo que é inteligível e razoável.

Chega a hora de tratarmos daquele que foi responsável por desperdiçar várias gerações de jovens potencialmente aptos a tornarem-se úteis à sociedade transformando-os em um vergonhoso bando de chorões suicidas vestidos de preto. Sim, falo dele, falo de Johann Wolfgang von Goethe (1749 1832).
Impetuosos e tempestuosos, Goethe nos deixa um tratado baseado na mais pura essência do melodrama e da desorganização. Procura versar dos sentimentos ocultos nos objetos artísticos, nos homens que observam estes objetos e nos sentimentos dos sentimentos dos homens pelos objetos. J. W., você teve a temeridade de se valer de “ligação entre amigos para aperfeiçoamento progressivo” como palavra-chave! Capturado no redemoinho do próprio paradoxo, jacta a existência da subjetividade e da parcialidade do homem como o mais alto dos valores em um texto que é subjetivo e parcial. Alega objetivamente a existência múltiplas interpretações em um texto que pode ser considerado apenas mais um interpretação subjetiva, o que faria com que suas interpretações da arte perdessem o caráter objetivo se tornando só mais uma frágil possibilidade em meio o uma pilha de tantas outras.
Contenha suas lágrimas, J. W.! Ninguém aqui gosta de resmungões. Pare de tentar justificar seus surtos histéricos emocionais como se eles fossem releituras dos ideais clássicos. Está tão desesperado assim para se legitimar através da tradição?

Quem vem agora? Ah, sim, em 1815 escreveu Quatremère de Quincy (1755 1849) sua ode à dor de cotovelo. Brada ele contra a existência dos museus e das coleções de arte. Não percebeu que estava gritando sozinho pelo prazer de ouvir a própria voz. Sim, esvaziemos os museus e coloquemos o Sr. de Quincy lá, pois muito curioso e digno de estudos é um homem que prefere a arte espalhada entre árvores, enterrada sob toneladas de terra, sendo chamada de doce lar por alguma grata família de roedores. Tudo isso apenas porque não teve ele a oportunidade de montar sua própria coleção enquanto havia ainda obras disponíveis.
Lamentável, Sr. de Quincy, lamentável! Ainda mais quando justifica sua própria ignorância repreendendo aos cultos por seus estudos e erudição. “O público, para o qual precisa trabalhar, é o público que sente, e não aquele que raciocina.” Não se preocupe, meu bom senhor, lhe prometo uma edição do livro de nosso bom amigo Ripa. Assim está dispensado da fatigante e árdua tarefa do raciocínio elaborado e poderá “sentir” a sublime e intensa erupção da insanidade de um homem que esteja com os cabelos e a barba revoltos. Não perderei mais meu tempo explicando de maneira racional o porquê devo ignorá-lo, basta apenas dizer que assim eu sinto.

Lá vem ele que nos prestou o desfavor de fazer Turner acreditar que agradava a alguém sempre que derrubava seu estojo de tintas sobre um pedaço de tela. Johnny Ruskin (18191900) nos“revela” como a humanidade sempre seguiu fielmente um padrão inquebrável, até sua época, em que, convenientemente, o padrão foi mudado porque era isso o que melhor se adequava ao seu período.
Sério, Johnny Boy, não passou pela sua cabeça que sua época, sua gente e sua cultura simplesmente estavam insanas? Um artigo inteiro apenas para legitimar um retrato de um graveto. Se o espartano, o romano e o cavaleiro medieval de que falou adentrassem nos recintos da Old Water-Colour Society “em virtude de idéias que ali geralmente podem ser sugeridas a respeito do estado e sentido da moderna, quando comparada com a antiga, arte”, eles empregariam suas lâminas cortantes e perfurantes contra os integrantes da Society na certeza — tanto deles quanto nossa — de estarem fazendo um favor ao livrar este mundo daqueles que desperdiçam seu tempo pintando a celebração de casamento de dois filhos de nobres famílias de pedras caídas no meio de uma estrada deserta.
Espero que pelo menos as montanhas saibam apreciar em quão ricos detalhes são ilustradas, e que o lago possua uma boa quantia de moedas para gratificar aqueles artistas do qual é mecenas.

Gottfried Semper (1803 1879) sim era um homem de coragem. Não tinha medo nem vergonha de falar o que achava necessário. Não que o que achava necessário fosse realmente necessário, mas não será isso que lhe roubará o título de temerário paladino combatendo a insensatez com mais insensatez.
Primeiro ele começa sua vingança contra a sociedade industrial com um enfadonho monólogo que fundou o gênero conhecido hoje como romantismo melodramático espacial. Pretendendo não dar trégua ao seu oponente odiado — o leitor —, ele ainda, “com a intenção de revelar a lei interior que governa o mundo da forma artística”, nos sugere a leitura de um autor que muito admira o excelente trabalho: ele próprio.

Para evitar repetição nessas e em outras questões intimamente relacionadas, o autor remete os leitores à sua brochura Wissenchaft, Industrie und Kunst: Vorschläge zur Anregung nationalen Kunstgefühles [Ciência, Indústria e Arte: Propostas para o Estímulo da Sensibilidade Artística Nacional] (Brunswick: Vieweg, 1852).

Sabiamente, Semper nos explica — crianças distraídas mimadas que somos necessitando de orientação — como a França foi incrivelmente estúpida na hora de elaborar seu sistema de ensino, e como a Inglaterra e Alemanha foram mais estúpidas ainda por copiar este sistema. Afinal, quem daria crédito a um método elaborado por franceses?
Como se não houvesse citado tolos o suficiente e sobre o justo objetivo de desmascarar cada imbecil a vagar sobre nossa amada Terra, nos mostra como administradores de indústrias compõem um seleto grupo de “cada idiota” que “pensa que entende algo sobre arte”.
Foi ele, Gottfreid Semper, um verdadeiro herói ao nos chamar de idiotas e demonstrar como apenas ele e um seleto grupo de verdadeiros artistas entendem a real natureza da arte, nos revelando nossa própria ilusão megalomaníaca em nos considerarmos aptos para lucubrar questões relacionadas às artes!

E se junta a nós agora Heinrich Wölfflin (1864 1945) com seu modesto objetivo de criar um livro de receitas para a interpretação do humor dos artistas e das nações. Conceitos Fundamentais da História da Arte — que talvez devesse se chamar Identifique todos os estilos em cinco lições básicas — restringe toda a capacidade artística, nata ou adquirida com a prática, a um sistema de regras raciais, temporais ou regionais facilitando assim a todos aqueles que preferem compreender a arte como uma tabela na qual se demonstra dominar ao se enquadrar adequadamente cada autor ou estilo.
Wölfflin constrói uma tabuada com pretensões evolutivas tentando dar respeitabilidade à matéria de que trata concebendo-a por meio de valores supostamente científicos. Um livro que será certamente útil quando a humanidade e o fazer artístico forem substituídos por máquinas autônomas sem percepção emocional. Esses robôs-artistas do mundo que está por vir serão muitíssimo gratos ao homem que afirmou a Itália como sendo um local que se formou “livre de influências externas” e lhe concederão honras como sendo o seu mais notável programador.

Assim você pôde entender como a História da Arte chegou à sua atual condição tendo sido alicerçada sobre as mentes e sonhos de um imperdoável conjunto de homens megalomaníacos que escolheram de forma aleatória ou de má-fé nos legar fatos irrisórios com o intuito de legitimarem sua própria imagem e fazer de si próprios lendas.
Surgiu assim a História da Arte como “A História que Os Arrogantes Anseiam que Os Homens do Futuro Saibam”. Sorte sua, leitor, ter A Providência presenteado nosso mundo com o advento de um homem como eu para esclarecê-lo e resgatar a verdade.

Referências

DÜRER, Albrecht. Carta a Willibald Pirckheimer. 1506. In: HOLT, 1981, pp. 330-332.
______________ . Esboço para a Introdução do livro Sobre As Proporções Humanas. 1512-1513. In: HOLT, 1981, pp. 311-318.
GOETHE, Johann Wolfgang von. Propileus: Introdução. 1798. In: GOETHE, 2008, pp. 95-116.
MANETTI, Antonio. A Vida de Fillipo di Ser Brunellesco. Século XV. In: HOLT, 1981, pp. 167-179.
QUINCY, Quatremère de. Da destinação das artes e das obras de arte, consideradas em sua influência sobre o talento dos artistas e o gosto dos amadores. 1815. In: QUINCY, 1815, pp. 8-10; 19-58.
RIPA, Cesare. Iconologia: Introdução. 1593. In: LICHETENSTEIN, 2055, v. 8, pp. 23-33.
RUSKIN, John. Sobre A Novidade da Paisagem. 1845. In: KERN, 2010, pp. 152-161.
SEMPER, Gottfried. Estilo: Prolegomena. 1660. In: SEMPER, 2004, pp. 71-79.
SUGER. O Outro Pequeno Livro sobre A Consagração da Igreja de St. Denis. Século XII. In: HOLT, 1981, pp. 36-48.
WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos Fundamentais da História da Arte: Introdução. 1915. In: WÖLFFLIN, 2000, pp. 1-23.

domingo, 28 de outubro de 2012

O Expressionismo e A Guerra dos Espíritos


 
 
Não há dúvida, ou alternativa, no instante de selecionar o melhor dos movimentos modernos. Não só adequado quando se visto pela modernidade, mas quando se observado do século XIX, porque o Expressionismo tem uma alma moldada no XIX, forjada pelos mesmos ferreiros que antes, mesmo que não se lembrem, forjaram as espadas empunhadas pelos cavaleiros que reluziam em prata. Apesar do instinto da Modernidade em buscar a arte como nada mais do que arte, da arte como um Oruboros, como a Serpente de Midgard enroscada em si própria sustentando todo um mundo sozinha, o Expressionismo lutava como se combatia pelas regras antigas. Supondo que você acredite, como eu, que o espírito — e, assim, a cultura — do Ocidente se formou do confronto entre os ideais clássicos e os ideais animistas, da eterna batalha entre uma tentativa de recuperar a tradição helena mediterrânea contra a retomada da tradição medieval do Norte; que a sucessão Renascimento > Barroco > Neoclassicismo > Romantismo > Realismo > Simbolismo foi movida pela ânsia dos filhos em superarem seus pais invocando a sabedoria de seus avôs… Supondo que esta seja uma das formas de o nosso mundo pode ser visto, o Expressionismo foi o última geração a lutar nesta guerra.

E quem eram nossos inimigos? Pois sim que era o Impressionismo. Independente do que eles ou do que seus inimigos — outros que não nós — dissessem, eles estavam na batalha. Vê como eles negavam nossos símbolos, nossos sonhos encarnados em formas de anjos, nossos heróis que salvavam o mundo e nossos magos que faziam o inimaginável? Como ignoravam tudo aquilo que não podiam ver? Eles podiam fugir de algumas regras do que se acha “clássico”, regras de forma, mas não das regras de idéias. Os impressionistas acreditavam em capturar o mundo, na representação como uma apropriação e duplicação do que se é percebido, apenas discordavam na forma desta percepção. Em idéia, em espírito — apesar de não acreditarem nisto —, eram clássicos. Coube ao Expressionismo combatê-los, negar sua representatividade do que se é percebido apenas pelos sentidos. Mostrar o mundo como ele é através do que se sente dele, retomar o que é próprio e único de cada indivíduo, esclarecer que o mundo existe no que pensamos e sentimos dele, que o mundo existe em nós, quebrar as pretensões objetivas de entender a verdade. O simples fato de que apenas alguns entre muitos acreditam na objetividade já não prova que ela é um ponto de vista subjetivo?

 
 
O Expressionismo, como fez a encarnação anterior de sua idéia no espírito romântico, mesmo na Modernidade, se colocava não com uma ruptura total do passado. Uma ruptura sim, mas apenas a objetividade antes dela, mas fazendo isso com base em uma tradição, como uma continuidade de algo que veio antes e que deveria estender ao futuro. Negava a modernidade e buscava no passado o motivo para continuar. Em meio ao ferro e ao vapor, tentava lembrar os homens de que a arte que faziam e eles próprios eram de natureza e propósito espirituais, tentava lembrar que eles eram mais do que uma massa disforme sem identidade emplastrada em uma cidade cinza. Então nos davam as cores. Eram tão iguais na crença do subjetivo que eram tão diferentes, um grupo que estimulava o de específico em cada um a ponto de, muitas vezes, não se conseguir identificá-los como grupo. Mas só se você olhar com seus olhos clássicos objetivos, se olhar só as formas. Pois esses não são seus olhos, são só lentes. Retire-as e experimente outras, veja não a aparência, mas a idéia, o objetivo, a busca e o sonho. Está vendo como são todos diferentes e iguais? E iguais e diferentes? E que a igualdade e diferença não está neles, mas em você? Está na sua mente, e na minha.

À Modernidade, mas sem esquecer o passado, assim cavalgavam em cavalos brancos de honrados paladinos medievais, com os corpos tatuados com os símbolos das culturas tribais e seus ritos que se repetem desde que nossa espécie recebeu uma alma sensível e uma mente engenhosa, mas trajando novas e espalhafatosas armaduras azuis. Essas recentes couraças — que não eram feias, ou eram, porque a feiúra não está nelas, esta em quem as vê feias — habitadas por fantasmas antigos que não queriam abandonar este mundo, não antes de terem cumprido sua missão.
 
E depois deles? Depois, talvez, a guerra tenha acabado. O Espírito Clássico de corpo e intelecto inquestionáveis trajando sua toga e ostentando a Ordem como arma, O Espírito Anímico sombrio e intenso rodeado pela tempestade… Ambos caíram pelas mãos de algo mais intenso, faminto e jovem. Uma nova guerra? Talvez, mas se fosse, não tratava mais de luta por retomada, nada mais tinha a ver com a tradição. Uma guerra que os dois antigos não têm força mais para lutar. Uma disputa de arte como forma, de arte contra arte. Uma batalha de espíritos que se negam como espírito, de formas vazias e sem alma, uma batalha de golens.
 
E quem foi o Expressionismo, você pergunta? Foi o último herói a tombar em uma disputa esquecida, o último a ter alma. Por enquanto, ao menos. Ou você acredita que o jovem recém nascido, mesmo faminto, tem realmente Ímpeto e Ordem suficientes para conter pela eternidade os dois velhos inimigos? Tudo que eles precisam são de novos avatares…