sábado, 10 de abril de 2010

Mr. Hyde, o guarda-chuva e os anos ’80




As pessoas vivem me perguntando por que de eu nunca usar guarda-chuva, mesmo quando chove. Agora pensando, colocar a expressão "mesmo quando chove" me pareceu bem idiota. Afinal, quem usaria um guarda-chuva quando não está chovendo? O que me leva a pensar na questão da sombrinha: por que as mulheres chamam seu guarda-chuva de "sombrinha"? A sombrinha deveria ser um item usado nos dias de sol intenso, mas algumas, por algum motivo, não admitem que usam guarda-chuvas e insistem em chamá-las de sombrinhas. Talvez seja algum instinto primitivo remanescente do século XIX que as faça quererem se comparar às damas européias.
Mas eu falava de não usar guarda-chuva. Nunca. E o que parece impressionar quando relato esse fato e o pânico religiosos que as pessoas costumam ter da chuva. É só começar a chuviscar, e todos sob o céu iniciam uma louca escapada, se escondem, saltam e dão piruetas. Tudo pra escapar do terrível elemento conhecido como "água". Parece até que a água não vai secar depois não deixando nenhuma seqüela ou cicatriz. E esse tipo de comportamento influencia as crianças o transformando em um ritual. Por ritual, digo uma ação originalmente lógica e racional que buscava atingir um objetivo em uma determinada sociedade, mas posteriormente a sociedade mudou, o comportamento deixou de ser útil, mas continuou sendo repetido por puro costume. É assim com a chuva, simplesmente se foge dela porque... porque sempre se fugiu. A mesma regra do Direito da Idade Média: tudo que se faz há tanto tempo a ponto de não se lembrar o porquê ou quem iniciou, se presume uma regra da natureza e lei divina.
Bem, a questão não é exatamente essa, mas sim o Leviathan. O mal inerente a todo homem representado pelo totem do monstro marinho. Como disse Thomas Hobbes, todo o homem é naturalmente mal e egoísta, e as leis foram criadas quando estes homens acordaram em abrir mão de seu direito de fazer tudo o que queriam, inclusive chutar as bundas e furar os olhos de quem encontrassem ocasionalmente pelo seu caminho, sob a condição de que estes outros homens também abrissem mão de lhes fazerem a mesma sacanagem. Civilidade seria o bom senso na hora de aplicar piadinhas infames.
Está certo, vou voltar à problemática do guarda-chuva. Na próxima vez que vocês forem pegos na rua por uma pancada de chuva, tentem se esforçar um pouco e deter o pânico que lhes apertará o coração. Não vai ser fácil, mas pensem "É só água.", "Depois vai secar.", "Eu espero que seque..." ou ainda "Que deus me proteja e ajude a secar minhas roupas!". Respirem fundo e mantenham a calma, então observem o comportamento das pessoas ao seu redor. Elas abrirão seus guarda-chuvas, os puxarão para bem perto do corpo, e começará uma guerra pela sobrevivência. Correrão com pressa, mesmo que antes da chuva não a tivessem, e se movimentarão de maneira agressiva. Andarão em linha reta em direção ao seu objetivo, e quem estiver no caminho terá de sair, ou enfrentar o tétano e outras conseqüências de pontas metálicas nos olhos.
E não há piedade para com as pessoas que não tiveram a sorte/má-fé de saírem de casa armadas com seus guarda-chuvas. Eu costumo observar isso, e geralmente as pessoas que estão de guarda-chuva aberto vão para baixo dos parapeitos e marquises de prédios buscando uma "dupla proteção", e quem não está com guarda-chuva, que tentou se esconder embaixo desse parapeito é empurrado para fora, pois os "grada-chuvados" andam em linha reta como rinocerontes, mas com o adicional de terem "chifres" em todas as direções. Um fenômeno interessante é quando dois "rinocerontes" vêm em direções opostas brigando pelo território do parapeito.



Qualquer um deles poderia passar por fora dessa área e ainda assim não se molharia, mas nenhum abre mão do espaço. Os "desarmados" são jogados para fora do espaço como vítimas de atropelamento, pelo menos os que não são rápidos os suficiente para saltarem como um estouro de gazelas nas savanas. E quando ambas as feras colidem, é como uma cena de corrida de bigas de "Ben-Hur" em que as carruagens têm lanças presas nas rodas e uma tenta estraçalhar os raios da outra.



Parece a mim que, quando um humano empunha seu guarda-chuva ele rompe o pacto social. É como o soro do bom Doutor Jekyll que faz com que o usuário perca todas suas inibições a que foi acostumado a seguir para atender a idéia de civilidade, e a única coisa que importa seja a própria vontade. Um guarda-chuva não é só um objeto utilitário, tem uma função quase que de nos conectar com uma força animal transcendental liberando nossos instintos mais primitivos e trazendo de volta como mais importante valor a ser atingido na vida a própria sobrevivência.
O que me deixa fascinado é o paradoxo em como nossa capacidade de idealizar e construir objetos, que supostamente nos diferencia dos demais animais, possa criar uma ferramenta cujo resultado é justamente despertar nossos valores animais desconstruindo esta mesma civilidade que nos permitiu gerá-lo.



E como eu faço para me proteger da chuva? Bem, eu uso minha jaqueta jeans fabricada nos anos ’80. Bem, ela está bem desbotada, mas ainda resiste bem (exceto pelo fundo de um dos bolsos que é feito de um tecido mais fino e já se semidesintegrou). Praticamente uma relíquia que está na minha família e é passada de geração em geração há... há duas gerações, mas eu pretendo passar ela para o meu filho se um dia eu tiver um, e assim criar uma tradição. Só espero que ele me perdoe por não ser descendente do Isildur e ter uma espada élfica pra deixar como herança.
Um amigo meu me disse que se um dia eu quiser ser um astro do Rock, bem, pelo menos eu tenho a jaqueta...

Não é à toa que algumas corporações malignas tenham escolhido os emblemas que escolheram.

2 comentários:

  1. Eu uso guarda-chuva (que não serve exatamente para guardar a chuva...) não para me proteger da chuva e sim do sol.

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  2. Bem, bem, bem... Eu sempre vi o guarda-chuva como uma arma (se o Demolidor pode usar uma bengala de cego, por que não posso usar um guarda-chuva? Além dele ser mais sólido e pesado que uma reles bengala... Infelizmente, até o momento ainda não tive a oportunidade de usar meu Guarda-Chuva Automático Preto da maneira que deve ser usado - i.e. para bater na cabeça dos infames malfeitores que se atreverem a cruzar o meu caminho - mas quem sabe? O dia ainda é uma criança...

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