domingo, 21 de outubro de 2012

O Sumiço do Mago


 
Recentemente eu me lembrei da música Putz, O Grande Mago e percebi o quanto ela é importante para mim. Quando eu era bem pequeno, com uns dois anos de idade, ganhei um LP da Turma do Balão Mágico, mas era muito jovem para entender do que se tratava. Então, quando eu estava com sete ou oito anos, redescobri aquele disco e ao ouvi-lo me deparei com, entre várias músicas infantis alegres, esta canção: 

Putz o grande mago
Anda por um triz
Fez sumir o seu amor
E não pode ser feliz 
  
Vive resmungando
Que tremendo trapalhão
Apagou a luz do amor
E ficou na escuridão 
  
Putz o grande mago
Anda por um triz
Fez sumir o seu amor
E não pode ser feliz
(2x) 
  
É inacreditável
Tudo aquilo que ele faz
Faz isso aquilo
E muito mais
Mas Putz não tem paz 
  
Vive reclamando
Não tem alegria não
Nem riso
Nem sorriso
Não
Nem um pingo de emoção 
  
Putz o grande mago
Anda por um triz
Fez sumir o seu amor
E não pode ser feliz
(2x) 
  
É extraordinário
Tudo aquilo que ele tem
Só que tem
Que ele não tem
Um alguém
Que lhe quer bem 
  
Vive perguntando
Martelando essa questão:
— Será que eu sou feliz
— Ou sou
— Um putz teimosão? 
  
Putz o grande mago
Anda por um triz
Fez sumir o seu amor
E não pode ser feliz 

Então eu voltava a agulha para que a música se repetisse e repetisse, e ficava imaginando o Putz em seu castelo, entre muitos artefatos únicos, conhecedor de maravilhas, mas sem ter com quem dividir ou ensinar. Lá sozinho sempre. E, na minha imaginação, Putz estava sozinho porque ninguém queria estar com ele. E, se ele havia ficado sozinho tanto tempo, isolado até ninguém mais lembrar que ele existiu. Exceto por aquela música que havia sobrevivido e ecoado para longe. Então, cada vez que eu a ouvia e pensava nele, que estava em algum lugar sozinho, cada vez que ela acabava e eu desejava que começasse outra vez, eu estava me lembrando dele e fazendo com que continuasse a existir. Como se eu fosse o único que se importasse, a âncora que prendesse ele ao mundo e o impedisse que dispersasse como uma nuvem de poeira.
Até que passei a acreditar que, se eu era a única pessoa que ouvia aquela música, se ninguém mais se importava, talvez ela só existisse para mim, talvez o Putz só existisse para mim, talvez eu fosse o Putz. Imaginava se aquela não era minha história. Passei a acreditar que um dia eu o encontraria, ficaria cara a cara com Putz, e, quando eu me tornasse ele, o próprio não precisaria mais existir, porque eu não precisaria mais me lembrar dele. Então me entregaria seu lugar. Seria eu naquele castelo, com aqueles tesouros únicos, com todos os livros, com todo o conhecimento e sem ter para quem transmitir. E achava que aquele era meu destino, o que comprova que nunca fui uma criança muito saudável. Seria eu quase desaparecendo, no limite da existência, torcendo para que alguém encontrasse aquela música e a cantasse e com ela se lembrasse de mim. E, enquanto essa pessoa a ouvisse, eu não desapareceria.
Foi quando percebi que o que existe só é em relação à memória. Que todas as coisas, inclusive eu, só iriam continuar existindo realmente enquanto pudessem ser lembradas, enquanto eu pudesse fazer alguém se lembrar de mim, enquanto merecesse que alguém lembrasse. Eu ficaria preso naquela sala no castelo, mas não desapareceria se pelo menos alguém lembrasse.
Agora eu acabo pensando no quanto essa música foi importante para a formação do meu gosto, pelo meu alinhamento com o Romantismo, pelo quanto eu adorava histórias japonesas, que na época não entendia direito o porquê, mas hoje tenho o conhecimento da estética da beleza na tristeza da arte japonesa. Até como escritor, eu sempre busquei fazer algo com o mesmo impacto. Algo que fosse igualmente simples e que passasse tanto efeito como o que essa música me causou.

Quando relembrei da música recentemente, quando lembrei o quanto ela é importante, me senti culpado por tela esquecido. Não esquecido totalmente, porque sempre estive sob os efeitos dela a vida inteira, mas havia esquecido que foi ela que os desencadeou. Então me senti culpado por deixar Putz se tornar uma nuvem e se dispersar. O engraçado é que, ao procurar recentemente na internet, não consegui localizar a música como arquivo de som ou imagem. Só encontrei a letra escrita. E não encontrei mais alguém que se lembrasse dela, que desse importância a ela ou que desse importância ao fato de não ser lembrada. Como se Putz ainda estivesse esquecido, como se eu ainda fosse o último a lembrar dele. Como se ainda fosse minha a responsabilidade de ajudá-lo a não se perder. Pelo menos até eu finalmente encontrá-lo e assumir seu lugar. Talvez o motivo deste texto seja justamente de fazê-los lembrar, de puxar Putz de volta para este mundo, de fazer com que mais alguém se lembre de Putz lá sentado sozinho, de que a história continue, e de que ele não desapareça. E porque, enquanto ele existir, enquanto ele ainda estiver lá sentado, não chegará minha vez de assumir seu posto. 
 
 
 
Meus agradecimentos à Cláudia Moura, que realizou a façanha de encontrar a música na internet:

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