quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

FARRAZINE n. 19 (baixe, que nós nos esforçamos para fazer)


Fechamos o ano de 2010 destacando os artistas nacionais. Veja a prévia da HQ Natal – Terra de Ninguém, com roteiro de Miguel Rude e arte de Wendell Cavalcanti. Entrevistamos o renomado e premiado cartunista Jean Galvão e estivemos na Rio Comicon, trazendo uma cobertura diferenciada. Diretamente do site Papo de Gordo, conheça o personagem MorsaMan, com roteiros de Lucio Luiz e arte de Flávio Soares. Confira os últimos lançamentos da PADA para aumentar sua coleção de HQ’s. Temos ainda Clube da Luta, Janis Joplin, King’s Quest, contos e muito mais...

Publicado em 20/12/2010.

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domingo, 14 de novembro de 2010

O Dilema de Superman


Já se perguntaram o porquê do Superman ser o Superman. Pensem só: ele poderia fazer qualquer coisa, mudar o mundo, reconstruí-lo conforme seus desejos e sonhos. Poderia criar as regras, mas, ainda assim, prefere seguir as normas impostas por um bando de criaturinhas frágeis, estúpidas e egoístas chamadas “humanos”. E não me venham com “é que ele recebeu uma boa educação de seus pais.” Filhos com comportamentos antagônicos aos dos pais existem há muito tempo. A resposta para esta questão me ocorreu há alguns anos quando li pela primeira vez Dark Knight Returns de Frank Miller.
Superman perdeu seu mundo, Krypton explodiu e não existe mais. Agora ele vive na Terra e, tendo capacidades que poderiam equipará-lo a deuses, precisa se conter o tempo todo para não destruir o mundo acidentalmente. E nós, os bons humanos frágeis que merecem ser protegidos, não somos tão merecedores assim. Nós evitamos tudo o que é diferente, exilamos e, se somos obrigados a conviver com o estranho, se não podemos escondê-lo e evitá-lo, nós o tememos. E Superman sabe disso, sabe como nós somos, como ele deveria ter sido se tivesse seguido à risca o modo de pensar da Terra na qual foi criado. Mas a diferença, o que faz com que ele não seja só mais um na multidão preocupado com suas próprias idéias e objetivos, o que faz com que ele não seja o maior conquistador do planeta e que o impede de obrigar o mundo a ser correto como ele: seu medo da rejeição. Ele não só é estranho — o que já constitui por si só motivo para ser temido e odiado —, como de fato poderia se impor sobre todo o planeta. O planeta tem todos os motivos — conforme a cultura da Terra — para odiá-lo. Então ele segue cada mínima regra dos miseráveis humanos — até mesmo aquelas que nem os próprios humanos respeitam —, dedica sua vida divina à tarefa de servo de criaturas inferiores esperando que, assim, ele seja não aceito, mas ao menos tolerado. Mostrando que sempre será submisso, sempre servindo ao mundo, Superman demonstra sua forma de implorar — não pelo afeto, carinho ou respeito — pela indiferença do seu mundo adotivo. Sendo servil e bajulador, ele se sente seguro ao lhe ser permitido sentar no canto da sala e observar silencioso a vida das demais pessoas. E essa tolerância no ambiente, essa meia felicidade de que não é digno e lhe dão apenas de favor, lhe parece muito mais do que merece. Então Superman fica lá em seu canto com sua meia vida ansioso para que um dos miúdos seres dominantes do planeta o chame para que venha servi-los. Ele nem deve saber o que é felicidade ou uma vida por inteira, afinal, sempre viveu assim. E além do mais, caso fosse expulso, caso os seus senhores microscópicos o repudiassem e exigissem que partisse, aonde Superman iria?

sábado, 30 de outubro de 2010

A evolução do Hadouken como alguma forma doentia de arte minimalista [atualizado em 24/12/2012]

Já faz um tempo que eu não escrevo aqui... e não vai ser hoje que isso mudará. Caso alguém passe por aqui, terá de se contentar com um estudo comparativo que fiz sobre a evolução do Hadouken através dos tempos. Sim, eu me ocupo com esse tipo de inutilidade. Quem sabe, um dia, eu poste a árvore genealógica completa dos reis de Gondor e Anor que fiz em uma noite de insônia há alguns anos só me baseando em referências de Silmarillion e Contos Inacabados de Numenor e da Terra-Média.
E sim, eu próprio executei todas as seqüências "↓ → + soco" e pressionei Print Screen em todas as telas.


Street Fighter, 1987


Street Fighter II: The World Warrior, 1991



Street Fighter II: Champion Edition, 1992


Street Fighter II Turbo: Hyper Fighting, 1992



Super Street Fighter II: The New Challengers, 1993


Super Street Fighter II X, 1994


Street Fighter Zero, 1995


Street Fighter Zero 2, 1996



Street Fighter Zero 3, 1998


X-Men vs. Street Fighter, 1996


Marvel Super Heroes vs. Street Fighter, 1997


Marvel vs. Capcom: Clash of Super Heroes, 1998


Street Fighter III: New Generation, 1997


Street Fighter III: 2nd Impact - Giant Attack, 1998


Pocket Fighter, 1997


Rockman X, 1993

 
Rockman X 4, 1997
 
 
Rockman X 5, 2000
 
 
Street Fighter x Rockman, 2012
 

FARRAZINE n. 18

Mais uma edição do sempre espetacular FARRAZINE que completa três anos de existência. E olha que não falo isso só porque me deixam participar.
Baixe e confira.



Para o aniversário de 3 anos do FARRAZINE, trouxemos um convite para nossos leitores, contamos um pouco de nossa história e temos também: A primeira parte da matéria sobre a história do game King's Quest (por Jacarandá); uma análise coerente sobre Os Invisíveis (por Filipêra), de Grant Morrison; resenha sobre a banda Charme Chulo (por Josi Woodstock); a HQ "Manuela", feita a seis mãos (Jluismith, Dias e Snuckbinks); as tirinhas comoventes de "A Vida com Logan" (de Flávio Soares); contos e muito mais.


sábado, 4 de setembro de 2010

Anjos Natalinos

Era uma vez 1998, ano em que eu estava cursando a oitava série. O fim do ano e as festas que ele implica estavam próximos, então a professora da disciplina de Educação Artística resolveu nos passar uma tarefa: dividiu a turma em grupos e distribuiu entre os grupos folhas de papel ofício (na época, por algum motivo, se usava mais ofício do que A4) com imagens de símbolos natalinos. Velas, bolas e bengalas listradas, essas coisas. Eram apenas desenhos, linhas em negro sem cor alguma. Nossa tarefa era colorir, recortar e transformar aquilo em enfeites de natal.
Foi então que eu vi: havia um dos desenhos em uma das folhas... ele era especial. Tratava-se de um desenho de um pequeno anjo. Era a única figura que representava um indivíduo, algo que pudesse ser visto como uma pessoa, e não algum tipo de "natureza morta natalina". Naquele momento eu saltei sobre a mesa e agarrei a respectiva folha de papel com todas as forças de um guri de quatorze anos. Eu queria aquela folha... não, os outros desenhos não eram importantes. Eu queria aquela imagem, eu queria o anjo.
Assim que agarrei aquele tesouro que os outros integrantes do grupo pareciam não perceber o quanto era reluzente e especial, eu o destaquei dos demais, recortei-o e guardei junto ao meu material para levá-lo para casa.
Em casa eu me dediquei ao trabalho, mas apenas à figura do anjo. Nunca mais toquei na folha e nos outros desenhos que ela continha, mas o anjo... eu via inúmeras possibilidades. Poderia mudá-lo, recriá-lo, colocar algo de mim nele.
Na aula seguinte, cheguei com minha obra colorida, recortada, colada sobre uma cartolina grossa e recortada de novo. E eu tinha minha versão daquele desenho agora reconstruído, tinha meu anjo, ou melhor, meu "Arcanjo". Sim, eu transformei o desenho em um dos personagens de X-Men.
E foi assim que tudo começou. Então passei a reproduzi-lo, duplicar as características básicas do desenho original, cujo autor eu desconheço, e criar novas versões do anjo natalino, adaptar outros personagens àquela forma. E assim o faço, tenho tentado manter esta tradição todos os anos. Sempre que chega dezembro, produzo pelo menos mais um e o acrescento aos enfeites de minha árvore de natal. Na verdade, essa prática é o que mais me agrada no Natal.


Arcanjo (modelo original), Cell, Piccolo Jr., Cloud Striffe, Asa Sangrenta, Aranha Escarlate, Venom (Edie Brock), Carnificina e Duende Macabro

Caçador de Marte e Lanterna Verde (Hal Jordan)


Aragorn, Bill Raio Beta, Hellboy, Rorschach e Jenny Sparks

As figuras tem entre 7,5 cm e 9 cm, desenhados com nanquim sobre papel branco, coloridas com lápis de cor, recortadas, coladas sobre cartolina e recortadas mais uma vez. Tenho ainda desenhados e arte-fnalizados uma versão do Comediante e um Galactus, com o dobro das dimensões padrão que não cheguei a colorir no ano passado.
Vai saber o que me aguarda para este ano.

sábado, 28 de agosto de 2010

FARRAZINE n. 17



Lançado mais uma edição do FARRAZINE. Não vou escrever muito para não me acusarem de convencido, mas realmente me orgulho de trabalhar com esse pessoal. Baixem!


Apresentamos as HQ's:
JUSTIÇA 40º por Brenno Dias e Denis Mello e
LONG PLAY por Megaron Xavier

E mais:

• O Nascimento da Era de Prata
• A Laranja Mágica
• Quebra-Quebra no Tróia’s Bar
• Os Kana: Katakana
por Hiro

• Quadrinhos Gonzo
por Jacarandá

• Anarquia nos Quadrinhos: A Máscara do Riso
por Filipêra

• Nostalgia
• Biografia: J. J. Abrams
• Blues - parte 3
por Snuckbinks

Contos:
• Uma Manhã
• A Armadilha
por InVinoVeritas

• O Poeta
por Marcelo Soares

• A Sua Cor
por Agente Dias


domingo, 11 de julho de 2010

Pacientes de Brinquedo



No mês passado, junho de 2010, precisei fazer uns exames médicos, então fui eu em uma sexta-feira pela manhã à Santa Casa de Porto Alegre. Saí um tanto depois do horário em que deveria ter saído de casa, e a única informação precisa que tinha sobre o local onde eu deveria comparecer para fazer tais exames era que eles seriam realizados no “bloco A”, além, é claro, do fato de ser na Santa Casa, o que reduzia a busca a apenas uma gigantesca quadra repleta de uma série de prédios hospitalares.
Quando cheguei ao prédio em que suspeitei que deveria estar já há algum tempo se tivesse respeitado o horário estipulado pelo meu despertador ao invés de rolar mais um pouco pela cama, entrei pela porta que estava mais próxima e tratei de procurar pelo “bloco A”. Uma missão que aparentemente não me causou muitos problemas, pois logo na entrada havia algumas placas indicando os blocos A, B e C. Chegando ao bloco A, parei logo atrás de uma mulher que, segurando a documentação referente à sua consulta ou exame, esperava diante de um guichê para ser atendida. Os guichês, pelo menos os lugares ocupados por quem estivesse a recepcionar quem ali chegasse, estavam vazios. Uma das funcionárias do hospital estava na sala logo ao lado esclarecendo alguma duvida de uma das muitas pessoas que ocupavam todos os bancos disponíveis e ainda sobrava quem estivesse escorado pelas paredes ou mesmo em pé esperando uma vaga para se escorara em uma parede. Atrás do balcão havia ainda três pessoas, duas vestidas como a funcionária que conversava com um dos pacientes, e um terceiro indivíduo, que, pelo jaleco branco e estetoscópio, deveria ser um médico ou aprendiz de médico. Pois bem, esse trio estava a conversar, possivelmente debatiam sobre algum tema bem interessante — como o último episódio de Lost, qual seria o resultado de uma luta entre Batman e Wolverine ou ainda o porquê desse revival dos anos ’80 — pois sequer perceberam nós dois a esperarmos para sermos atendidos.
Quando a outra funcionária, a que estava conversando com um dos pacientes a esperar, terminou o que fazia e percebeu a pequena fila diante do balcão, correu para o interior do guichê para saber o que a mulher à minha frente na fila precisava. Essa mulher explicou que, devido a algum incidente, perdeu a consulta que tinha marcado, e desejava saber se podia ser atendida em outro horário. A funcionária do hospital tentou ser o mais delicada possível ao explicar que, devido à grande procura por consultas, o próximo horário disponível seria daqui a seis meses, mas que ficaria feliz em remarcar para o mês de dezembro. A mulher diante de mim tentou argumentar, mas a funcionária lhe disse que não poderia fazer nada, pois todos os horários até o início de dezembro já estavam reservados.
Enquanto a mulher deixava o hospital decepcionada, eu ficava receoso, afinal, estava atrasado. Entretanto, a funcionária, antes mesmo que eu me aproximasse do guichê, identificou o requerimento de exame na minha mão e me explicou que, por eu possuir convênio médico, para ser atendido deveria me dirigir a outra ala do hospital: seguir reto pelo corredor, dobrar à esquerda e ir até o final. Eu segui as instruções que me foram dadas, passei pelos blocos B e C, depois me deparei com o bloco D e, ao virar o corredor, percebi diante de blocos correspondentes a todas as letras do alfabeto. E em todos eles havia uma enorme aglomeração de pessoas. Todos os bancos lotados, pessoas em pé no meio dos corredores querendo ser atendidas, pessoas reclamando de dores, crianças chorando no colo de mães que não sabiam como consolá-las, pais furiosos com a demora na prestação de ajuda aos seus filhos, idosos sentados estáticos olhando para o vazio como se já tivessem perdido qualquer esperança de serem atendidos e agora aguardavam simplesmente porque não sabiam mas o que fazer ou aonde ir. Um alfabeto inteiro de pessoas empilhadas esperando por ajuda médica. Não pude deixar de lembrar a sensação que tinha ao abrir a velha caixa de tênis onde guardava os bonecos com que brincava nos anos ’80 e ’90: Hal Jordan, Barry Allen, G. I. JOE’s e Thundercats caídos sem expectativa ou vida própria apenas esperando que eu os dissesse como agir, o que fazer e pelo que lutar. Só que essas pessoas não eram plástico colorido com a coluna vertebral confeccionada com um atilho, eram pessoas com vida “fora da caixa de tênis”. E dessa vez eu não podia resolver seus problemas ou guardá-las de volta ao roupeiro caso eu não gostasse de como se desenrolasse a história.
Quando cheguei ao final do corredor, sentia um vazio desconfortável, frio e escuro. Então percebi que havia chegado a uma parte fria e escura do prédio, e silenciosa. Continuei caminhando e, de repente, ao fazer uma curva brusca, estava em um salão bem decorado. Em um dos meus lados havia um portão pomposo que dava para a rua, o portão por onde eu “deveria” ter entrado. Do outro lado havia uma recepcionista ansiosa para me atender. Rapidamente me indicou outro bloco A. Nessa nova ala o alfabeto se repetia, mas em uma grafia bem diferente. Cada um dos blocos era separado dos demais e do corredor por paredes de vidro. Do lado de dentro, havia cadeiras confortáveis — sendo que nem um quinto delas estava ocupado — ar-condicionado, revistas e jornais dos mais variados à disposição, água ou café, e uma televisão ligada exibindo um jogo da Copa do Mundo de futebol. Também estava lá uma mesa bem organizada com mais atendentes simpáticas dispostas a resolverem meus problemas. Ao perceber que eu estava atrasado — uma hora atrasado —, a funcionária mencionou o fato com desdém. Não um desdém esnobe, mas como se não fosse nada, apenas um detalhe irrelevante e numa entonação tão suave que não havia como interpretar aquilo como uma repreensão.
Esperei alguns minutos, e logo o médico me chamou. Realizei os exames e, na saída, a funcionária cordialmente se despediu de mim como se fôssemos velhos amigos. O que me restou foi me despedir da funcionária no salão principal e deixar o prédio pelo imponente portão decorado com relevos escultóricos. Ao pisar do lado de fora o primeiro sentimento que me veio foi de vergonha e de nojo de mim próprio. Eu entrei, resolvi meu problema e saí satisfeito, enquanto todas aquelas pessoas que preenchiam o “alfabeto” e que chegaram muito antes de mim, que provavelmente marcaram suas consultas e exames seis meses antes, ficaram lá com seus problemas. Foi como se pelo simples fato de poder pagar um droga de mensalidade eu merecesse ser tratado diferente de todas que ficaram lá. A diferença não foi só na velocidade do serviço, foi no tratamento que recebi, nas instalações em que fui atendido, na porcaria do portão do século XIX pelo qual aquelas pessoas não podem passar. E, se não tivesse entrado pela porta “errada”, provavelmente eu não saberia disso ou não sentiria isso. Por mais que se veja nos jornais ou se ouça as histórias, tais coisas são só histórias, sofrimentos de algum personagem pelo qual nós sentimos uma compaixão distante, mas não nos reconhecemos ou nos vemos no lugar. Alguns são atendidos imediatamente após uma hora de atraso, outros esperam seis meses, e o que diferencia isso são a cor e o logotipo do requerimento que se tem em mãos.

domingo, 13 de junho de 2010

Os Anos ’80, os Anos ’90, os Anos ’00, o ano de 2099 A.D., Peter David e eu

Eu nunca fui uma pessoa consumista. Nem um pouco. Minha mãe costuma insistir e me oferecer dinheiro para que eu vá comprar roupas novas, pois as minhas estão em constante estado de decomposição. Não tenho nem telefone celular, nunca tive. Já tentaram me presentear com alguns, mas eu os coloquei em algum lugar e nunca usei. Entretanto eu tenho um pequeno ponto fraco: literatura.
Definitivamente tento evitar o máximo possível entrar em sebos, ou literalmente gasto todo o dinheiro que carrego na carteira, TODO mesmo. Se, por algum acaso não encontrar algum livro que me interesse — o que seria bem incomum — por um preço que eu posa pagar — o que não é tão incomum assim —, sempre têm as HQs.
Ao lado do prédio do Instituto de Artes da UFRGS existe um sebo, a que eu bravamente resisti por vários meses, adotando técnicas como andar sempre pelo outro lado da rua, ou olhar para o longe ou para o alto ao passar em frente à sua porta. Mas é complicado resistir a uma tentação constante, e sucumbi ao seu chamado. Entre outras coisas, o que eu encontrei lá foram várias edições de Homem-Aranha 2099 e X-Men 2099 por preços de R$ 1,00 e R$ 0,75 cada. E, havia algum tempo, tentara eu completar minha coleção dessas revistas — que eu cheguei a comprar alguns números esporádicos quando foram publicadas na década de ’90 — mas quase desistira de tal objetivo, até esse dia. Claro que gastei todo meu dinheiro e adquiri todos os exemplares que encontrei na prateleira que eu não tinha, e agora minha coleção quase está completa.
Sobre a série 2099 da Marvel, talvez alguns não a conheçam. Essa história começou em 1992 com uma aventura escrita por Stan Lee e desenhada por Paul Ryan chamada Ravage 2099. Nela era contada a história de Paul Philip Ravage, um agente da polícia ambiental em um EUA no ano de 2099. Ravage tem tanta fé no trabalho que realiza e nos seus chefes da corporação Alchemax que não acredita quando ouve uma denúncia feita por um menino de que seu pai fora assassinado por descobrir que a maior rede de corrupção relacionada à poluição ambiental ficava dentro da própria Alchemax, e sua equipe de patrulha ambienta não passava de fachada. Ao questionar seus líderes, Ravage é vítima de uma tentativa de assassinato, bem como de uma armação que lhe dava diante do público o crédito por todos os esquemas de corrupção dentro da companhia. Após escapar do atentado, Ravage se arma em um ferro-velho construindo uma armadura bem duvidosa com lixo metálico e usando um velho caminhão de lixo como base de operações (!).
Certo, essa foi uma história bem mediana. Stan Lee, bem, ele é Stan Lee. Devemos respeitar o homem por ter criado o Universo Marvel e mudado os rumos das HQs, mas isto foi lá nos anos ’60. Para a época em que foi escrita, essa deveria ser uma única história e só. Bem, seria se não tivesse dado idéias para outros roteiristas e editores dentro da Marvel. Como seria o Universo Marvel em 2099? Logo, Ravage 2099 se tornou uma revista de publicação regular, sendo que posteriormente o personagem título é contaminado por radiação na ilha Hellrock e ganha a habilidade de se transforma em uma versão mais “feroz” de si. Além desse precursor vieram mais três títulos:
Punisher 2099 (1993) contava as histórias de Jake Gallows, um agente de polícia especialista em armas do Olho Público que teve toda sua família assassinada. Algumas edições depois, que eram escritas por Pat Mills e Tony Skinner, Jake encontra um grande amor, e que também é convenientemente — para os roteiristas e leitores, certamente não para os personagens — assassinada. Jake para de ter fé na polícia como única forma de trazer justiça às ruas e, após encontrar os lendários Diários de Guerra de Frank Castle, resolve adotar seus métodos e se torna uma nova versão do Justiceiro. Esta era uma séria bem mediana, ou até menos do que isso, que seguia à risca a linguagem das HQs da geração de ’90: personagens sem profundidade, roteiros extremamente simples e muitas cenas de ação e confronto em que Gallows abusava e exibia seu imenso arsenal de armas futuristas para espancar e executar os criminosos.
Doom 2099 (1993) era escrita por John Francis Moore, com desenhos de Pat Broderick, e tinha uma idéia muito interessante. No ano de 2099, Victor von Doom, nosso bom e velho Doutor Destino, surge através de um deslocamento temporal e cai em Latvéria — sua pequena nação européia — em ruínas e corrompida que atende a interesses de corporações, maltrata a população cigana e é comandada pelo braço de ferro do ciborgue Tiger Wilde. Destino, sem lembrar exatamente como chegou àquela época, confronta Tiger Wilde e é derrotada diante do grande limbo que separa sua armadura da tecnologia vigente em 2099. Após se aliar a um grupo de ciganos rebeldes e construir uma nova armadura de adamantium lanxita, Doom derrota Wilde e reassume sua pátria. Daí parte em guerra contra as corporações gananciosas que ameaçam seu país e duas figuras misteriosas que tentam manipular sua vida. Bem, a idéia de John F. Moore era interessante, mas não foi muito bem executada. A trama não instigava o leitor a querer logo saber o que viria na próxima história, os personagens, além exceto pelo próprio Destino, não eram nada carismáticos. Doom 2099 só começou a realmente cativar nas últimas edições idealizadas por Moore em que ele conta com a ajuda de um escritor novato que posteriormente assume o título. Mas calma, no devido momento eu tratarei dele.
Spider-Man 2099 (1992) era, sem comparação, o melhor dos quatro títulos e carro-chefe da linha. Escrito pelo sempre genial Peter David e com desenhos de Rick Leonardi, contava as histórias do geneticista empregado da Alchemax Miguel O’Hara, que para se libertar de uma droga ao qual seu patrão o viciara para que continuasse trabalhando em um projeto moralmente questionável, tentou reconstruir seu próprio DNA. Entretanto um colega competidor de O’Hara sabota o equipamento e, durante o procedimento, substitui o DNA de Miguel na memória do programa pelo DNA de uma aranha. O’Hara se torna uma fusão entre um homem e uma aranha, e ganha força, agilidade e visão ampliadas, garras retráteis nas extremidades de cada dedo, glândulas lançadoras de teias nas costas das mãos e — meu preferido — presas retráteis injetoras de peçonha. Após ser perseguido pela Alchemax, Miguel O’Hara, usando um disfarce feito com o lendário tecido de moléculas instáveis desenvolvido por Reed Richards, passa a combater os interesses da Alchemax e das demais corporações como uma nova versão do Homem-Aranha. Como eu disse, era o melhor dos quatro títulos. Miguel O’Hara não era apenas uma versão diferente de Peter Parker, e sim um personagem novo, acompanhado de vários outros personagens carismáticos, e infestado com as ironias de Peter David. Bom, Peter David é Peter David, e, de certa forma, ele mudou minha vida.

Nota 1 — Se você não conhece HQs e acabou no meio deste texto acidentalmente, saiba quem é Peter David e o que ele fez por mim:
Peter David, durante o final da década de ’80 e início da ’90, foi o roteirista responsável por Hulk. Ele não foi apenas um escritor de Hulk, e sim O escritor de Hulk. Peter David fez pelo Hulk o que Frank Miller fez por Demolidor e Chris Claremont, pelos X-Men. Stan Lee foi o criador desses personagens, mas foram estes homens que os desenvolveram, criaram suas mitologias e os moldaram no que são hoje. David criou um conceito interessante com Hulk: Bruce Banner, após uma vida contida de emoções reprimidas e tendo assassinado seu próprio pai violento em legítima defesa, sempre possuiu problemas psíquicos que resultaram em personalidades múltiplas. O que o acidente com a bomba gama fez foi dar ao corpo de Banner a capacidade de mudar de forma cada vez que uma de suas outras personalidades assumia o controle. E Peter David soube como trabalhar esse conceito, seja com Doc Samson — o psiquiatra de Banner —, Sr. Tira-Teima — a terceira personalidade sacana de Banner/Hulk — ou a fusão de todas as múltiplas personalidades resultando no temporário “Novo Incrível Hulk”. Além de Hulk, Peter David também foi o responsável por reformular X-Factor a partir da edição Nº 71, após a equipe original se reintegrar aos X-Men em 1991. Após seu toque, a equipe foi reformulada como um time especial de agentes governamentais formado por mutantes para ajudar nas relações interespecíficas Homo sapiens e Homo superiors. Sim, esse era um título que eu só posso definir como genial. Apesar da época — a fatídica Idade das Trevas da década de ’90 — em nada se comparava com a linguagem de seu tempo. Na verdade, ficava bem claro ser uma tentativa da Marvel de se aproximar do estilo de Keith Giffen e J. M. DeMatteis em Justice League International da DC, mas nem por isso deixava de ser um dos melhores, talvez o melhor, título periódico da Marvel na época. A equipe era como uma grande família: pessoas bem diferentes, mal-humoradas e forçadas a conviver sob o mesmo teto, e as cenas de ironia, as piadas de Jaime Madrox (Homem-Múltiplo), os exageros de Guido “Fortão” Corossella, a falta de paciência de Mercúrio, os Professores Chalker e seus “acidentes de laboratório”, declarações como as em que os mutantes afirmam preferir serem chamados de “Geneticamente Complexos, ou ‘gecê’ para encurtar”, e o cartão postal que Mercúrio recebe do Senhor Sinistro são impagáveis. Bem, foi exatamente essa época de X-Factor que me fez querer ser um escritor, eu tive vontade de poder criar histórias fantásticas, mas tão divertidas quanto estas. Logo, Peter David foi minha principal inspiração e influência, então se vocês leitores quiserem culpar alguém por isso, culpem-no.

Ainda em 1993, John Francis Moore foi responsável por mais um título da linha 2099, onde todos os defeitos presentes em Doom 2099, como a falta de personagens carismáticos e de uma trama envolvente foram corrigidos, e muito bem. Estou falando de X-Men 2099 (1993): Xian Chi Xan, um violento mutante vietnamita conhecido como Fantasma do Deserto integrante de uma antiga quadrilha criminosa tem uma visão e resolve mudar sua vida. Xian passa a pregar a paz e a harmonia entre todas as formas de vida, e, sob influência dos ensinamentos dos líderes mutantes do passado, como Xavier, Magneto e Zhao, organiza reuniões em um complexo em ruínas no deserto de Las Vegas onde qualquer um pode comparecer e se integrar à comunidade. Após Xian ser vítima de uma tentativa de assassinato sob ordens do líder de um dos grandes cassinos de Vegas, um grupo de mutantes se organiza para salvar Xian, e formam uma nova geração de X-Men.
Temos ainda em Unlimited 2099 Nº 1 (1993) John Eisenhart, um produtor dos estúdios cinematográficos da Ilha de Hollywood que trai uma seita que prega ideais relacionados a Bruce Banner e causa a morte de todos os integrantes, além de ser vítima de um canhão de radiação gama. Eisenhart arrependido, após adquirir a capacidade de se transformar em um imenso e poderoso monstro verde, ajuda quem aparece em seu caminho tentando compensar seus erros e se torna um novo Hulk em uma nova época. E Ghost Rider 2099 (1994), Kenshiro “Zero” Cochrane é um pirata de dados na Cidade Transversal, e com sua gangue, após roubar dados da poderosa corporação D/Monix, é assassinado. Entretanto Zero estava com a mente ligada ao cyberspaço no momento da morte, e suas memórias e identidade foram salvas pelos moradores da Oficina Fantasma, um grupo de consciências artificiais que vive na rede de computadores. Os moradores da Oficina Fantasma não estavam nada contentes com os rumos que a sociedade humana estava tomando, podendo atém mesmo ameaçar as suas existências, então fazem uma proposta a Cochrane: devolveriam-no ao mundo dos vivos em um poderoso corpo robótico de aço-carbono — dotado de um eficiente armamento tecnológico, indutores holográficos e um veículo flutuante avançado — como seu agente no mundo físico, seu Motoqueiro Fantasma. Escrito por Len Kaminski e com desenhos primeiro de Chris Bachalo e depois de Kyle Hotz, as histórias de Zero eram iguais, mais diferentes de tudo. Os desenhos eram sempre sobre fundo negro, muito escuros e com muita poluição visual, típicos dos anos ’90. Os roteiros estavam impregnados de violência, correrias, cenas de ação, Zero contando vantagem e se exibindo sobre os adversários e sedento por vingança, também típico da década de ’90. Mas havia algo diferente aí nesse meio, uma crítica social ao poder dos mega-conglomerados empresarias, um clima absolutamente cyberpunk, os ideais anarquistas expostos. Era como se os anos ’90 tivessem algo a dizer, uma causa pela qual lutar. Apesar de minha antipatia pela escola dos anos ’90, confesso que eu muito me diverti com essa série, muito mesmo.
Bem, sobre o mundo em 2099… Os EUA eram (ou “serão”, eu nunca sei como conjugar verbos quando deslocamento temporal está envolvido) um país fragmentado, quase um feudalismo empresarial. O presidente era uma figura fraca e submissa ao Congresso. Por sua vez, o requisito para ser um congressistas era ser presidente de uma das mega-corporações como a Alchemax, D/Monix e Stark-Fujukawa. Cada grande cidade era comandada por uma dessas companhias, que servia os habitantes com todos os serviços públicos, aqueles que poderiam bancá-los, claro. Las Vegas, por exemplo, era administrada pelo Sindicato dos Cassinos, e seu sistema jurídico baseava-se em uma grande roleta que decidiria se o acusado era culpado ou inocente e qual seria sua pena. O serviço policial era prestado por grupos como a Bons Sonhos e o Olho Público, polícias privadas que protegiam seus assinantes que estavam com suas mensalidades em dia. Quem não pudesse bancar uma assinatura de serviço policial estava à própria sorte. A elite vivia nos altos arranha-céus, e a população pobre habitava o submundo, as ruínas do que foram as nossas cidades atuais escuras, sendo o sol totalmente bloqueado pelos grandes prédios, e na ausência de qualquer lei ou autoridade formal. Os mutantes foram quase completamente exterminados durante um evento obscuro no início do século XXI chamado de O Grande Expurgo. Os ricos bancavam tratamentos genéticos para impedir o nascimento de filhos mutantes. Logo, os mutantes eram uma minoria pobre e marginalizada que, junto com os degens — cobaias de experimentos de laboratório mal sucedidos — e mutróides — habitantes deformados da Ilha Hellrock, que era local de depósito de lixo radioativo e tóxico — tiveram seus direitos civis revogados.
Havia uma nítida imagem em todos os títulos da linha 2099 a mostrar um mundo, e principalmente uns EUA, corrompido pela ganância das grandes empresas, pela ausência do Estado, pelo uso indiscriminado dos recursos ambientais e pelo capitalismo levado ao seu extremo. A tecnologia cegara o homem do que é ser humano, um mundo artificial e frio, um feudalismo tecnocrata decadente que necessita desesperadamente de heróis. Eu vejo aí o germe do que seria a nova geração de roteiristas de HQs e que definiria a escola de ’00.

Nota 2 — Se você realmente não conhece HQs, acabou no meio deste texto por acidente e mesmo assim ainda não desistiu de lê-lo e fica se perguntando do que diabo eu estou falando ao me referir às décadas e as relacionando às Histórias em Quadrinhos:
Nos anos ’80 surgiu uma geração de roteiristas (Alan Moore, Frank Miller, Neil Gaiman, Grant Morrison, J. M. DeMatteis) que tinha uma proposta em oposição à linguagem vigente. A Era de Prata, que teve início em 1958 com o surgimento de Barry Allen, o segundo Flash, e que vigorou principalmente durante década de ’60, lidava com conceitos como heróis idealizados, tanto física quanto moralmente, mas quase sem personalidades, cuja única função era salvar quem precisasse ser salvo e sumir para esconder sua identidade secreta. Havia uma forte preocupação com a moralidade, os heróis sempre davam bons exemplos, e uma forte linha tracejada no chão em amarelo limão radioativo separava o que era certo do errado e o que era bom do que era mau. Todos aqueles que cometiam ações imorais eram punidos no final, e os morais, recompensados. Uma época de uniformes coloridos e signos bem explícitos.
Bem, foi contra isso que os oitentistas se voltaram. Eles passaram a combater tais ideais valendo-se da amoralidade. A partir deles, o mundo não era simples, e alguém havia lavado a faixa traçada no chão deixando difícil de identificar suas fronteiras. O mundo era um lugar sombrio e pessimista, os heróis se abrigavam sobre trajes não tão gloriosos e inspiradores e nem tão coloridos. Às vezes, os heróis não eram tão heróicos, e os vilões possuíam algum objetivo nobre por trás de suas ações. A narração passou a ser em primeira pessoa pelo ponto de vista de um dos personagens, assim nós nunca sabíamos o que realmente aconteceu como relatava o antigo narrador onisciente da Era de Prata, e sim o que o personagem interpretou dos fatos, distorcidos por suas crenças e convicções. Não existia mais verdade a ser dita, e apenas o que o personagem em questão acreditou ou quis acreditar que era a verdade. Bill Sienkiewicz, em Elektra Assassin, chegou a fazer ilustrações subjetivas, em que não se via o que de fato acontecia com os personagens, e sim aquilo que os personagens enxergavam com seus olhos, o que incluía distorções e alucinações geradas por substâncias alucinógenas e perturbações mentais. Tudo foi tomado pelo subjetivismo, como nas narrativas e fábulas japonesas, não existiam mais confrontos entre heróis e vilões, apenas entre dois homens com objetivos antagônicos. Diante de tais confrontos, que agora eram mais combates de personalidade do que combates físicos, os personagens perderam sua superficialidade e ganharam mentes complexas, confusas e assustadoramente interessantes fazendo da psicologia um dos temas das HQs.
Então veio a geração de ’90, um movimento que foi iniciado por Todd McFarlane, Jim Lee e outros no início dos anos ’90. Eles vieram com objetivos de combate aos ’80 e restauração dos ideais da Era de Prata. Acreditavam que o heroísmo das HQs havia se perdido em um mundo de sombras e ambigüidade, que a aventura fora esquecida entre longas e enfadonhas cenas de diálogos. Para alcançar o fim a que se propuseram, trataram de inserir alguns novos conceitos — ou retomar velhos — como a volta das cores e da idealização. Agora os heróis voltaram a ter seus corpos idealizados, com uma meticulosa musculatura bem desenhada sob roupas colantes que as evidenciavam. Colantes em cores berrantes, diga-se de passagem, que voltavam a trazer as cores e a luz aos personagens. Os diálogos e confrontos intelectuais foram deixados de lado, e as cenas de ação voltaram a ser importantes. Os confrontos agora seriam resolvidos de maneira heróica e aventureira (combates físicos), e ficaria claro quem era o herói e quem era o vilão. Esta separação estava presente até mesmo com a nova conceituação do “anti-herói”, que agora não era mais um personagem ambíguo a se opor ao personagem principal, e sim um “herói” noventista que se valia de mais violência do que a necessária para derrotar os vilões. Querendo liberdade sob suas criações — e toda a grana que isto envolvia — a geração de ’90 se organizou para formar a Image Comics, e por quase toda a década foi a cultura dominante. Mas tudo isso saiu do controle com os discípulos e seguidores de McFarlane e Lee. Influenciados pela MTV e criando uma linguagem que seria posteriormente adotada no cinema, eles tentaram repetir tal conceito, mas foram mal sucedidos ao compreendê-lo e interpretá-lo. Confundiram “retomada da ação heróica” com “violência exagerada” e “poluição visual”. Confundiram “idealização da imagem heróica” com “supervalorização da imagem” e misturaram “oposição ao conflito psicológico” com “forma sobre o conteúdo”. Assim surgiram aberrações — Rob Liefeld — que acreditavam que o trabalho gráfico e a forma visual eram o mais importante, e que os roteiros agora eram obsoletos e desnecessários.
Coube à geração de ’00 nos resgatar das profundezas deste mar gelado e negro e fazer a respiração boca-a-boca de que precisávamos para voltar a respirar. Warren Ellis, Mark Millar, Brian K. Vaughan e Garth Ennis — apesar deste último ser um tanto quanto “estranho” ao outros — ficaram estupefatos diante da década morta dos quadrinhos. Uma década inteira em que as HQs não disseram nada, não protestaram, não lutaram, não criticaram a sociedade. Eles precisavam fazer alguma coisa, e fizeram. Passaram a negar os anos ’90, negar a idealização, negar a forma acima do conteúdo, negar a violência desnecessária — só quando desnecessária, quando funcional e conveniente ele continuaria a ser empregada, mas sempre com um motivo. Da década de ’80 eles resgataram o clima pessimista, a idéia de que tudo ao nosso redor parece levar a um mundo ruim, que nossos heróis muitas vezes são um bando de sacanas, e que esse conceito de herói inclui nossos líderes políticos e astros da música. O que acrescentaram de novo foi a constante crítica política. Na década de ’80 ela aparecia ocasionalmente nos discursos anarquistas, nas discussões sempre presentes envolvendo a Guerra Fria — lembrem-se que a geração de ’80 foi moldada em um ambiente de tensão nuclear EUA-URSS —, mas essa crítica política estava direcionada mais ao lado humano, a como a humanidade se conduzia à autodestruição. Aqui em ’00 a política era discutida em suas especificidades, aos limites das interferências externas, ao abuso militar norte-americano, ao consumismo exagerado.

Voltando a 2099, mais precisamente ao jovem escritor vindo de histórias medianas de Excalibur que assumiu Doom 2099 a partir da edição Nº 26 em 1995. Ele era Warren Ellis e conduziu Victor von Doom a um novo rumo. Destino prepara e executa um golpe onde toma o controle dos EUA e se proclama seu novo presidente. Suas primeiras medidas são acabar com os privilégios corporativos, estatizar os serviços de polícia para todos os cidadãos, conceder cidadania a mutantes, degens e demais formas de vida não convencionalmente consideradas humanas, iniciar programas de manutenção ambiental, e reconstruir e fortalecer o Estado na forma de uma “democracia autocrática”. Começa aí a saga 2099 A.D. (After Doom ou Após Destino em português), em que a ditadura bem intencionada de Destino tenta recuperar o país destruído. Considero aqui o marco zero da geração de ’00 e laboratório para Ellis realizar o que fez ao assumir Stormwatch e transformá-lo em The Authority e tudo o que veio após em decorrência.
Claro que as corporações se opõem a Destino e usam um símbolo heróico do passado para recuperar o controle fazendo com que a população os apóie acreditando estar restabelecendo a democracia. O símbolo: Capitão América. Depois de quatro anos, em 1996 as épicas aventuras do ano de 2099 se encerram com o ataque atlante que derrete as calotas polares e eleva o nível do mar inundando o mundo. Um típico final de desastre ambiental provocado pela ganância e violência humana, bem de acordo com a proposta da linha. Posteriormente, em 2099: Manifest Destiny (1998), Len Kaminski, diferente do anarquismo e do cyberpunk de seus roteiros para Ghost Rider 2099, relata a saga final dos sobreviventes das inundações vivendo na Terra Selvagem e de como eles, aprendendo com os erros que a humanidade cometera até então, recriam a sociedade e fazem da espécie humana algo melhor com um final otimista e redentor. Posteriormente o Universo 2099 foi retomado em outras histórias da Marvel, como divertido o arco Turnê Mundial de Exiles em 2006 e nos especiais Timestorm 2009/2099 em que Brian Reed envolve o Homem-Aranha do presente e Wolverine na tentativa de uma reinvenção do Universo 2099.
Bom, o que eu acredito e quis expor aqui é que 2099 marcou a retomada da crítica e consciência social nos quadrinhos norte-americanos e foi o berço do da geração de ’00, e que junto com Peter David foi o que me motivou a querer escrever, contar histórias e, talvez, dizer algo que faça com que aqueles que leiam pensem sobre os rumos da nossa sociedade.

sábado, 29 de maio de 2010

FARRAZINE n. 16

Aí está a prova de que o Rodrigo se formou em Hogwarts; que o Snuck não é um indíviduo, e sim uma consciência coletiva abrigada por um exército de múltiplos braços; e que, equanto Jesus não volta, Deus mandou Kio na frente para ir fazendo os primeiros milagres.
Sai do forno a mais nova edição do FARRAZINE, e meu ego aumenta ainda mais por poder dizer que ando com esse pessoal desde o início.


FARRAZINE N. 16


• Entrevista com VITOR CAFAGGI
• DESTRUKTO [HQ]

• Você quer fazer Quadrinhos?
• Sidooh - Samurais Guerreiros
• por Jacarandá

• Batman - Terremoto
• por Juliano

• Inteligência Coletiva
• por Filipêra

• Dança em Quadrinhos
• por Rodrigo!

• Os Kana: Hiragana
• por Hiro

Contos:
• Triste, Triste
• O Pênis
• O Nascimento da Morte
• E Nós Tínhamos uma Música
• CPF
• Sexto Andar



VERSÃO .RAR - 4SHARED 38,6 Mb
VERSÃO .PDF - 4SHARED 15,5 Mb
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sábado, 15 de maio de 2010

A Teoria do Peludinho



Uma coisa muito estranha que me acontece - uma das muitas - é que a maioria das idéias que tenho, sejam para o bem quanto para o mal, me vêm quando eu estou escovando os dentes. Não sei se tem relação com o fato de eu ainda estar parcialmente dormindo logo quando levanto e, conseqüentemente, ainda meio delirando pelos universos incomuns que costumo visitar nos meus sonhos. Mas o que costuma acontecer nestes momentos é que eu me vejo filosofando e acabo criando algumas teorias científicas e filosóficas no processo.
Uma dessas teorias tem sua origem na distante década de ’90, quanto eu assisti pela primeira vez a Entrevista com O Vampiro em uma noite fria. Minha irmã estava junto comigo, mas ela acabou ficando com medo e colocou a cabeça embaixo do seu cobertor para não ver mais. Pô, certo que ela era bem pequena na época, mas ter medo de Entrevista com O Vampiro parece um pouco de exagero. Se bem que nem tanto quando lembro que meu primo Diego tinha medo de um desenho animado chamado Alice e O Canguru.
O que mais me marcou quando vi o referido filme foi a situação da pequena garota, personagem interpretado pela Kirsten Dunst, que andava com Louis e Lestat, que viveria por décadas, mas sem nunca crescer. Ao se tornar um vampiro, as pessoas transformadas ficavam com a mesma aparência enquanto vivessem (ou seria "morressem"? ou talvez "não-vivessem"?).
Não sei se é maluquice minha, mas não deixei de pensar em como seria essa situação. Ficar preso à mesma forma talvez pela eternidade. E isso foi fundamental para formar meu modo de pensar durante a adolescência, exatamente no momento em que minha barba iniciou seu crescimento.
Sobre a minha barba... bem, eu tenho uma estranha relação com ela. Sem barba, fico com cara de um total panaca. Não que eu não seja, mas esta característica fica mais evidenciada; quando minha barba está muito grande, pareço um fugitivo-da-Justiça-membro-de-um-partido-comunista-guerrilheiro-que-vive-atualmente-de-mendicância-e-se-alistou-nas-tropas-da-Al-Quaeda.
Logo, vocês já devem ter percebido no que esse raciocínio vai resultar: eu vivo sempre preocupado em estar com a barba de um tamanho "bom", para, caso eu seja ocasionalmente transformado em um vampiro, não acabe condenado a passar os próximos séculos com cara de abobado ou de Saddan Hussein.
Isso tudo me levou ao seguinte raciocínio: por que a barba supostamente me deixa menos feio? Para responder a essa questão, iniciei uma série de experimentos científicos que me levaram às seguintes questões:

Quem é mais "fofinho", um coelho ou um pato?
Quem é mais "fofinho", um pato ou um sapo?
Quem é mais "fofinho", um coelho ou um sapo?

Depois de realizar uma pesquisa em que certo público feminino respondeu a estas perguntas, pude chegar à seguinte determinação quanto à quantidade de "fofinheza" dos objetos estudados em ordem decrescente: coelho > pato > sapo.
O mais "fofinho" de todos é o coelho. O menos "fofinho" é o sapo. E o intermediário entre os dois é o pato.
Percebam que o coelho, o mais bonito dos três, é o que tem o corpo coberto por pêlos. O mais feio, o sapo, tem o corpo descoberto. E o pato está coberto por penas, que é algo que a Natureza rascunhou para chegar aos pêlos.
Esses dados comprovaram a tese de que o pêlo (ou barba) auxilia na busca por uma melhor condição estética. "Mas como o pêlo gera essa conseqüência?", foi a pergunta que me veio a seguir.
Então lá fui eu para mais uma série de experimentos, até que encontrei uma imagem hipotética: um coelho completamente sem pêlos. Aquela criatura de pele branca, enrugada. Imediatamente, sob esta nova condição, o coelho caiu para o último lugar na colocação de "fofinheza". Foi aí que pude determinar que a verdadeira função do pêlo, e da barba, é a de tapar e esconder a feiúra natural dos indivíduos. Logo, uma pessoa como eu, alguém não tão bonito assim (isso foi um baita eufemismo), tem o rosto oculto por uma camada de barba, cobrindo parte desta face visualmente desagradável. Então, diante de uma menor área de feiúra, o conjunto todo parece menos feio.
Atualmente, eu só corto minha barba quando esta às vésperas de atingir o nível "integrante do partido comunista", mas com uma tesoura e me certificando de nunca removê-la completamente.

domingo, 25 de abril de 2010

O Espadachim Negro

História curta roteirizada pelo Ricardo Andrade, e desenhada por este que vos escreve (talvez o correto seja "que te escreve", pois é pouco provável que isto aqui tenha mais de um leitor).
Originalmente deveria ser uma tira, mas - por inspiração das musas ou por simples frescura minha - ficou neste formato estranho de duas páginas.
Chegou a ser publicada numa edição do FARRAZINE com uma outra formatação.
Não sei se agradou alguém, já que não recebemos inúmeras cartas elogiando ou insultando o Espadachim e os envolvidos na sua criação. Mas como eu não sou Zeus, que pode colocar no céu na forma de constelação todos os fracassados de Hélade, eu deposito os meus fracassos, sejam no campo artístico, intelectual ou pessoal, aqui.


quarta-feira, 21 de abril de 2010

O Povo Contra Garry




 Na noite de 29 de dezembro de 2005, meu pai resolveu fazer uma dupla de lasanhas para o jantar. Claro que isso inevitavelmente atraiu algumas pessoas que acabaram se reunindo aqui em casa. Enquanto esperávamos a refeição ficar pronta, resolvi tirar algum proveito da velha caixa de tênis do meu primo Diego, que estava - por alguma razão desconhecida e provavelmente insana - aqui. Esta caixa estava repleta de Playmobils. Com direito a acessórios, veículos e apetrechos variados. Então eu empunhei a novíssima filmadora da minha irmã e exigi como tributação pelas fatias de lasanha que meus parentes me auxiliassem neste projeto batizado de O Povo Contra Garry.
Esse é um curta muito escroto, feito em umas seis horas (contando o intervalo para comer a janta preparada pelo meu pai). Além de boa vontade, este filme não teve mais nada: não teve talento, não teve produção prévia, não teve nem roteiro. Os diálogos eu improvisei na hora sem ter muita certeza aonde iriam acabar. Não teve nem edição, fui filmando direto e, quando algo dava errado, rebobinava e refazia por cima. Por "errado" entendam diálogos absurdamente ininteligíveis. Resumindo, usei a técnica de Ed Wood, e o resultado foi este aí.


Dados "técnicos":
Título: O Povo Contra Garry
Sinopse: Garry da Silveira é preso e acusado pela Promotoria do Estado do Texas por ter provocado a morte de um menino em um acidente de carro, mas há muitos mistérios ocultos neste evento.
Filme de Rafael Machado Costa, com Emerson Moraes Nunes, Rafael Machado Costa, Diego Machado Hidalgo, Douglas Severo e Karine Machado Costa.
Gênero: inspirado na Literatura Pulp Fiction, este filme é uma mistura de "suspense de Super Cine" com "filme de tribunal".
Ano de produção: 2005.



Disponível aqui

sábado, 10 de abril de 2010

Mr. Hyde, o guarda-chuva e os anos ’80




As pessoas vivem me perguntando por que de eu nunca usar guarda-chuva, mesmo quando chove. Agora pensando, colocar a expressão "mesmo quando chove" me pareceu bem idiota. Afinal, quem usaria um guarda-chuva quando não está chovendo? O que me leva a pensar na questão da sombrinha: por que as mulheres chamam seu guarda-chuva de "sombrinha"? A sombrinha deveria ser um item usado nos dias de sol intenso, mas algumas, por algum motivo, não admitem que usam guarda-chuvas e insistem em chamá-las de sombrinhas. Talvez seja algum instinto primitivo remanescente do século XIX que as faça quererem se comparar às damas européias.
Mas eu falava de não usar guarda-chuva. Nunca. E o que parece impressionar quando relato esse fato e o pânico religiosos que as pessoas costumam ter da chuva. É só começar a chuviscar, e todos sob o céu iniciam uma louca escapada, se escondem, saltam e dão piruetas. Tudo pra escapar do terrível elemento conhecido como "água". Parece até que a água não vai secar depois não deixando nenhuma seqüela ou cicatriz. E esse tipo de comportamento influencia as crianças o transformando em um ritual. Por ritual, digo uma ação originalmente lógica e racional que buscava atingir um objetivo em uma determinada sociedade, mas posteriormente a sociedade mudou, o comportamento deixou de ser útil, mas continuou sendo repetido por puro costume. É assim com a chuva, simplesmente se foge dela porque... porque sempre se fugiu. A mesma regra do Direito da Idade Média: tudo que se faz há tanto tempo a ponto de não se lembrar o porquê ou quem iniciou, se presume uma regra da natureza e lei divina.
Bem, a questão não é exatamente essa, mas sim o Leviathan. O mal inerente a todo homem representado pelo totem do monstro marinho. Como disse Thomas Hobbes, todo o homem é naturalmente mal e egoísta, e as leis foram criadas quando estes homens acordaram em abrir mão de seu direito de fazer tudo o que queriam, inclusive chutar as bundas e furar os olhos de quem encontrassem ocasionalmente pelo seu caminho, sob a condição de que estes outros homens também abrissem mão de lhes fazerem a mesma sacanagem. Civilidade seria o bom senso na hora de aplicar piadinhas infames.
Está certo, vou voltar à problemática do guarda-chuva. Na próxima vez que vocês forem pegos na rua por uma pancada de chuva, tentem se esforçar um pouco e deter o pânico que lhes apertará o coração. Não vai ser fácil, mas pensem "É só água.", "Depois vai secar.", "Eu espero que seque..." ou ainda "Que deus me proteja e ajude a secar minhas roupas!". Respirem fundo e mantenham a calma, então observem o comportamento das pessoas ao seu redor. Elas abrirão seus guarda-chuvas, os puxarão para bem perto do corpo, e começará uma guerra pela sobrevivência. Correrão com pressa, mesmo que antes da chuva não a tivessem, e se movimentarão de maneira agressiva. Andarão em linha reta em direção ao seu objetivo, e quem estiver no caminho terá de sair, ou enfrentar o tétano e outras conseqüências de pontas metálicas nos olhos.
E não há piedade para com as pessoas que não tiveram a sorte/má-fé de saírem de casa armadas com seus guarda-chuvas. Eu costumo observar isso, e geralmente as pessoas que estão de guarda-chuva aberto vão para baixo dos parapeitos e marquises de prédios buscando uma "dupla proteção", e quem não está com guarda-chuva, que tentou se esconder embaixo desse parapeito é empurrado para fora, pois os "grada-chuvados" andam em linha reta como rinocerontes, mas com o adicional de terem "chifres" em todas as direções. Um fenômeno interessante é quando dois "rinocerontes" vêm em direções opostas brigando pelo território do parapeito.



Qualquer um deles poderia passar por fora dessa área e ainda assim não se molharia, mas nenhum abre mão do espaço. Os "desarmados" são jogados para fora do espaço como vítimas de atropelamento, pelo menos os que não são rápidos os suficiente para saltarem como um estouro de gazelas nas savanas. E quando ambas as feras colidem, é como uma cena de corrida de bigas de "Ben-Hur" em que as carruagens têm lanças presas nas rodas e uma tenta estraçalhar os raios da outra.



Parece a mim que, quando um humano empunha seu guarda-chuva ele rompe o pacto social. É como o soro do bom Doutor Jekyll que faz com que o usuário perca todas suas inibições a que foi acostumado a seguir para atender a idéia de civilidade, e a única coisa que importa seja a própria vontade. Um guarda-chuva não é só um objeto utilitário, tem uma função quase que de nos conectar com uma força animal transcendental liberando nossos instintos mais primitivos e trazendo de volta como mais importante valor a ser atingido na vida a própria sobrevivência.
O que me deixa fascinado é o paradoxo em como nossa capacidade de idealizar e construir objetos, que supostamente nos diferencia dos demais animais, possa criar uma ferramenta cujo resultado é justamente despertar nossos valores animais desconstruindo esta mesma civilidade que nos permitiu gerá-lo.



E como eu faço para me proteger da chuva? Bem, eu uso minha jaqueta jeans fabricada nos anos ’80. Bem, ela está bem desbotada, mas ainda resiste bem (exceto pelo fundo de um dos bolsos que é feito de um tecido mais fino e já se semidesintegrou). Praticamente uma relíquia que está na minha família e é passada de geração em geração há... há duas gerações, mas eu pretendo passar ela para o meu filho se um dia eu tiver um, e assim criar uma tradição. Só espero que ele me perdoe por não ser descendente do Isildur e ter uma espada élfica pra deixar como herança.
Um amigo meu me disse que se um dia eu quiser ser um astro do Rock, bem, pelo menos eu tenho a jaqueta...

Não é à toa que algumas corporações malignas tenham escolhido os emblemas que escolheram.